De passagem por Belo Horizonte para o lançamento de sua autobiografia, o ex-ministro José Dirceu (PT), condenado a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito da operação Lava Jato, recebeu a reportagem de O TEMPO na residência do vereador Arnaldo Godoy (PT) na manhã desta terça-feira (13).
Cansado após quase oito horas de viagem de carro de São Paulo até a capital mineira, ele recebeu amigos na casa do parlamentar e almoçou com lideranças do PT mineiro em um restaurante na região Centro-Sul da cidade.
Durante a entrevista, ele recordou, surpreso, o aniversário de cinco anos da decisão do então ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), pela sua prisão por conta do mensalão.
Na conversa, o petista adotou tom moderado até mesmo quando fez críticas ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a quem considerou legítimo e apoiado por uma base social orgânica. O estilo “paz e amor” contrasta com o do José Dirceu que ocupou o Ministério da Casa Civil na gestão de Lula. Naquele período, o petista era considerado um “trator”. Passava por cima de tudo e todos para implantar as vontades do governo. Sem contar que não tinha papas na língua. Era a personificação do poder.
No livro “Zé Dirceu: Memórias”, o ex-ministro aborda sua infância na cidade mineira de Passa Quatro, a adolescência em São Paulo e a atuação política até meados do ano de 2006. O petista conta bastidores do governo Lula e do próprio mensalão, esquema que, segundo a Justiça, teria sido constituído para a compra de votos parlamentares. Dirceu nega que tenha existido a prática.
Que tipo de experiências de vida o senhor narra no livro?
Eu escrevi esse livro para minha filha Maria Antônia, de 8 anos, para que ela conhecesse a história do pai dela por ele. É um livro mineiro, começa por Passa Quatro (Sul de Minas), fala da minha infância, do meu pai, que era da UDN, fala muito de Minas, e depois de mim em São Paulo, um menino office boy. Falo da universidade, do golpe militar, da luta do movimento estudantil, da resistência armada, da troca do embaixador sequestrado, minha vida em Cuba e depois disfarçado no Brasil, vivendo com outro nome, na clandestinidade. Tentei fazer não uma biografia, e sim memórias, a história do país a partir da minha vida.
Tem algo sobre o planejamento e execução do chamado “mensalão”?
Tem, sim, falo sobre o mensalão, como o governo se comportou, ou como não se comportou. Minha avaliação é que falhamos ao enfrentar essa questão. Saí do governo, relato a reunião final com Lula e alguns ministros, em que acabei até chorando. Era minha vida, como aquela música da Maysa, “o meu mundo caiu”. Quando estava preso, sempre me lembrava desta música. Mas no segundo volume é que vou dissecar por que não houve mensalão, houve caixa 2. Nunca houve compra de parlamentares nem dinheiro da Visanet. Inclusive isso já está nos autos.
Por essa experiência, o senhor acha que é possível a criação de uma base de governo sem o chamado “toma lá dá cá”, de troca de votos por espaço em ministérios?
Formar uma base sem a participação dos partidos nos ministérios não é possível nem é correto. O eleitor elege o Congresso e, se ele deu a um partido que tem proximidade com o seu plano de governo 40 deputados, ele tem que participar. E não tem governo que não faz isso; os tucanos criticavam o Lula, mas estavam fazendo a mesma coisa com o Aécio (Neves) aqui, em Minas, com o Geraldo Alckmin em São Paulo. Agora mesmo o PSL vai assumir governos estaduais, e vão fazer composição nas Assembleias. O problema não é esse, é quando tem corrupção, quando se abandona os programas de saúde ou educação, ou política econômica, ao fazer alianças. Se você faz aliança e leva na prática aquilo com que você se comprometeu, não tem problema.
A vitória de Jair Bolsonaro se deu por conta da força nas redes sociais?
Não só. Evidente que houve fake news, estão investigando se houve uso ilegal de recursos pra isso, mas ele ganhou por ter uma base social eleitoral. A questão da segurança, da violência, a questão religiosa, infelizmente, pesaram muito. Ele se apresentou como novo.
O PT subestimou a força de Bolsonaro nas áreas pobres?
Em um primeiro momento, sim, mas depois, não. Evidente que havia uma base social de 20%, 25% do Bolsonaro. Mas esse salto dele para mais de 40% foi porque capturou o eleitorado conservador de centro-direita do PSDB.
Por que o PT perdeu esse voto popular?
Se o Lula fosse candidato, ele ganhava no primeiro turno. Tudo indicava isso. Não sei se Bolsonaro cresceria assim com o Lula candidato. Acredito que é inegável que ele ganhou a eleição, é presidente legítimo, já está definindo ministros, e faremos oposição. Isso faz parte. Mas não acho que ganharia do Lula.
Há uma tendência populista no mundo. No Brasil vimos muito desse voto com Bolsonaro. O PT não falhou na estratégia para escolher o candidato?
Fernando Haddad não pertence a essa área. É uma questão de opções. Tínhamos o Jaques Wagner e o Haddad. Cada partido faz sua opção, não faz sentido um partido que tem 30%, 35% de intenções de voto abrigar outro nome de fora da legenda. A opção do Haddad foi correta, não foi uma candidatura fracassada. Perdemos, mas faz parte. Agora, quem governa é o Bolsonaro. Ele tem que dar uma resposta ao eleitorado.
Existe a análise de que o PT “criou” Jair Bolsonaro como antagonista, a partir do desgaste com a opinião pública. O senhor concorda com isso?
Discordo totalmente. É como dizer que o Bolsonaro não tem legitimidade. Como se fosse uma criação do mal. Bolsonaro foram eleito normalmente. E quem fracassou nesta eleição não foi o PT, foi o PSDB e o MDB. O PT perdeu, mas quem foi derrotado mesmo foi Alckmin, que perdeu feio até em São Paulo.
E como deve ser a oposição do PT a este governo?
Tem que ser como fizeram oposição a Dilma. A oposição que faremos é política, quem tem que conter qualquer abuso autoritário, qualquer violação, é o Judiciário. Nós somos fiscais neste sentido, podemos representar e denunciar, mas quem tem que manter tudo na Constituição é o Supremo.
O senhor acredita que essas instituições do Judiciário vão conseguir resguardar a Constituição?
Sim, vão exercer o papel normalmente. E já deixaram isso claro, tudo dentro da Constituição.
O senhor já mostrou certo temor de que o governo Bolsonaro vai perdurar por muitos anos. Por que essa opinião? Acha que há risco de ruptura democrática?
Não acho que há risco. Mas o PT ganhou quatro eleições seguidas. Por que eles não podem fazer isso? É questão de disputa política-social. Temos que fazer por merecer, o povo tem que nos ver como alternativa. Temos é que avaliar tudo, reconhecer o que fizemos de errado e refletir.
Moro como ministro da Justiça minimiza a chance de uma redenção do ex-presidente Lula diante do Judiciário brasileiro?
No caso do Lula acho que dá base para anular a condenação. O mundo já repercute isso, e nós vamos fazer para que isso aconteça. Como pode um juiz que está de férias assumir um cargo político? É um direito dele e do presidente Bolsonaro. O que temos que questionar é que ele era o principal juiz da Lava Jato, o condutor da operação. É um fato que consolida o caráter de julgamento político.
O senhor ficou surpreso com Palocci aceitando fazer uma delação?
Não julgo o Palocci, ele tomou uma decisão, mudou de lado. Conosco, não tem mais nada a ver. Então, quem vai julgá-lo é a sociedade. Evidente que estou do outro lado, ele atravessou o rubicão. Foi para um destino que é de ser delator. A história não tem sido gentil com os delatores.