"Galo". O grito que simboliza a paixão da torcida atleticana tornou-se também um dos marcos dos bairros Califórnia, Camargos e Santa Maria, na região Noroeste de Belo Horizonte. A área, que “vestiu-se de preto e branco”, teve sua rotina transformada desde o início das obras da Arena MRV, em abril de 2020. A chegada do estádio alvinegro impulsionou o comércio, valorizou os imóveis e trouxe novos desafios à mobilidade urbana — uma reconfiguração social e estrutural que, por décadas, parecia inimaginável para os moradores. "Agora, quando falo onde moro, digo que é perto da Arena e todos sabem. Colocaram a gente no mapa", conta a aposentada Eni Parreiras, de 82 anos, que vive no bairro Santa Maria há sete décadas e acompanhou a construção da varanda de sua casa.

Desde o início das obras, a região passou a receber investimentos em infraestrutura, voltados tanto para atender à demanda dos moradores quanto para os frequentadores da Arena nos dias de jogo. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, cinco centros de saúde foram construídos nesse período. Também foram realizadas intervenções na mobilidade urbana, como a abertura de passagens no canteiro central da Via Expressa, a instalação de conjuntos semafóricos e a criação da linha de ônibus 407 (Califórnia/Glória). A região ainda deve ser contemplada com a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Parque da Aviação, cuja inauguração está prevista para setembro deste ano.

A poucos metros da Arena MRV, Eni observa o estádio da área de sua casa — Foto: Flávio Tavares / O TEMPO

"A região se desenvolveu muito, ganhou mais comércios, lugares de lazer e mais moradores também. Em contrapartida, o custo de vida ficou maior, além dos problemas com o trânsito. Prometeram algumas melhorias, mas essas obras não saíram do papel. Então o trânsito fica complicado principalmente em dias de eventos",  relata o empresário Victor Caires, de 26 anos. Ele se refere a contrapartidas prometidas, como a construção de alças no Anel Rodoviário, a instalação de uma passarela na estação Eldorado do metrô e a ampliação da Via Expressa. As intervenções faziam parte do acordo para a construção do estádio. No entanto, as obras não foram concluídas antes da estreia da Arena, em agosto de 2023.

As alças do Anel serão executadas pela PBH. Procurada pela reportagem, a Arena MRV informou por meio de nota que “R$ 117 milhões foram efetivamente compromissados na implementação das contrapartidas e condicionantes ambientais”. Como o valor ultrapassa 5% dos custos totais do empreendimento, “a Arena MRV enviou ao poder público um relatório solicitando exclusão de contrapartidas definidas no licenciamento ambiental”. Ainda não houve decisão.

Para o especialista em trânsito e professor do Cefet-MG, Agmar Bento, a implantação de um polo gerador de viagens (PGV) — empreendimento ou atividades que geram um número significativo de viagens, tanto de pessoas quanto de veículos, impactando o sistema viário —, como a Arena MRV, exige intervenções de infraestrutura para viabilizar o tráfego. Algo que, segundo ele, se torna ainda mais necessário na região, que também é um local de passagem de moradores da região metropolitana que acessam a capital.

"Antes de construir um empreendimento como esse, é importante fazer um relatório prevendo os impactos. Sabemos que isso foi feito, mas que as intervenções indicadas não foram implementadas em sua totalidade. Essas medidas não podem ser ignoradas, elas precisam ser feitas, ainda mais com o empreendimento em funcionamento. A gente percebe um aumento do fluxo na região não só em dias de evento, mas também aquele do dia a dia, das pessoas que por ali residem", orienta.

Preços dos imóveis e do aluguel saltaram

Um levantamento da Câmara do Mercado Imobiliário e do Sindicato da Habitação (CMI/Secovi-MG) indicou uma valorização média de 17% nos imóveis no entorno da Arena MRV desde o início de sua construção. No bairro Califórnia, o preço médio de apartamentos, casas, lotes e galpões passou de R$ 415,6 mil em 2022 para R$ 468,4 mil em 2025 — um aumento de 12,7%. Já no bairro Camargos, o valor desses imóveis saltou de R$ 237,1 mil para R$ 288,1 mil no mesmo período — uma alta de 21,51%. "Meu apartamento, que valia R$ 180 mil, hoje está em R$ 250 mil. Os bairros cresceram muito verticalmente", relata o empresário João Paulo, morador do bairro Camargos.

A valorização dos imóveis impulsionou o preço do aluguel, o que também ocorreu em outras regiões de Belo Horizonte. Conforme o índice FipeZap, que analisa o preço da locação residencial, o valor médio subiu 15,73% entre abril de 2024 e o mesmo mês de 2025, acima da média nacional, que foi de 12,77%. "Tenho alguns imóveis para alugar, e os valores deles aumentaram. Antes, na nossa região, era bem mais barato. Os moradores comentam que o preço do aluguel saltou muito depois da construção da Arena", contou a aposentada Eni Parreiras.

Segurança

A reconfiguração social e urbana no entorno da Arena MRV exigiu também novas estratégias em relação à segurança, conforme a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Entre janeiro e junho deste ano, mais de 400 operações foram feitas na região — sendo dez presenciais. Os trabalhos, conforme a corporação, também determinam a presença de policiais em pontos estratégicos e a instalação de bases comunitárias.

"A chegada de estabelecimentos comerciais contribuiu positivamente para a segurança porque isso trouxe uma movimentação maior de pessoas nos horários noturnos. Outra mudança foi a habitação saudável dos espaços, como praças. São comportamentos que evitam o crime. Mas é importante cumprir as normas, como o funcionamento em horário previsto, venda adequada de bebidas alcóolicas e colaboração para evitar aglomerações", destaca o tenente Gabriel Ferreira Ribeiro.

Um novo hábito na rotina dos moradores da região exigiu uma reconfiguração das estratégias de segurança. "O policiamento melhorou muito, principalmente em dias de jogos. São muitos policiais pelas ruas, tem o posto policial no Camargos, isso é muito bom. Mas ainda temos conhecimento de alguns assaltos que acontecem nos bairros", relata o gerente de vendas Bruno Faria, de 45 anos, morador do bairro Santa Maria.

De casa, Bruno e Arlete têm vista direta para a Arena MRV  — Foto: Alex de Jesus / O TEMPO

Meu negócio é o Galo

Da paixão pelo Galo ao próprio negócio: torcedores viram empreendedores ao redor da Arena

Em um carro tomado por diversas versões do Galo, mascote do Atlético, o empresário João Paulo Barbosa, de 43 anos, encontrou um novo caminho para seguir a vida. Desempregado e com diagnóstico de depressão, viu na paixão pelo clube do coração uma oportunidade de trabalho que lhe desse prazer e renda. "Meu primo fazia mascotes do Galo e me perguntou se eu sabia que o estádio seria em frente à minha casa. Naquele momento, ainda era só mato e um monte de tapumes. Peguei algumas peças, coloquei na Kombi e levei para vender. Voltei sem nada", conta.

A experiência foi o "pontapé" do negócio de João Paulo. Com o passar dos anos, além dos mascotes feitos pelo primo, o empresário também começou a vender bonés, copos, canecas, cachecóis e outros itens voltados ao clube alvinegro. O carro foi substituído por uma Kombi, decorada em preto e branco. O veículo, no entanto, ficou pequeno para a quantidade de peças e para a demanda. Ele decidiu, então, abrir uma loja física no bairro Camargos, a cerca de um quilômetro da arena alvinegra. "A Kombi é igual coração de mãe, tem um pouquinho de tudo. A loja também tem coisa demais!”, brinca o empresário.

João Paulo e sua “Kombosa”, a loja móvel de artigos do Galo — Foto: Rodney Costa / O TEMPO

O caminho seguido por João Paulo foi o mesmo do empresário Vinicio Miranda, de 41 anos. Atleticano desde a infância, ele almejava abrir um negócio próximo ao estádio desde o anúncio da construção da Arena MRV. “Antes mesmo da terraplanagem, corri atrás de um ponto. Fiquei dia e noite procurando", lembra. Vinicio inaugurou nas imediações da casa do clube alvinegro a Central do Malte, uma growleria (estabelecimento que vende chopes artesanais) que se tornou ponto de encontro da torcida.

"Sempre queria um negócio que respirasse o Galo, e no meu espaço é assim. Em dias de jogo, até o música que se apresenta costuma ser atleticano. É uma vibe muito diferente. Por isso deixou de ser apenas um bar e se tornou um espaço dos torcedores", conta o empresário atleticano sobre o empreendimento inaugurado em julho de 2023, duas semanas antes do jogo das Lendas, evento que reuniu ex-jogadores do Atlético.

Um levantamento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) indicou que os bairros Califórnia, Camargos e Santa Maria, no entorno da Arena MRV, possuem cerca de 150 estabelecimentos do gênero alimentício. São 92 restaurantes e 63 bares instalados nas imediações. "Quando comprei o terreno, a região tinha apenas mato. O dono do espaço até me alertou sobre a segurança. Hoje é bem diferente, o movimento mudou completamente a área", afirma Vinicio.

Growleria de Vinicio virou ponto de encontro nos dias de jogos na Arena  — Foto: Fred Magno / O TEMPO

Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva, o equipamento esportivo impulsionou não apenas o setor alimentício, como também o de serviços. "Muitos imóveis que estavam desocupados hoje estão com lojas de comércio e serviços. A Arena não é um equipamento esportivo apenas, ali também são realizados encontros de empresas, shows, visitações turísticas e outras atividades", afirma.

A característica multiuso do estádio alvinegro, que já recebeu shows de artistas nacionais, como Jorge e Mateus, e internacionais, como o britânico Paul McCartney, é, para o presidente da CDL, um fator a ser explorado pelos moradores da região. "Com essa movimentação, a renda das pessoas que residem no entorno tende a melhorar. Ou seja, essa é uma oportunidade para quem deseja empreender. E não apenas em abrir um negócio que atenda ao público do jogo, mas também aqueles que residem", sugere.

O analista do Sebrae Minas, Rafael Lana, também acredita que a região possui potencial a ser explorado comercialmente com o crescimento impulsionado pela Arena MRV. No entanto, o especialista destaca a necessidade de pesquisas para identificar as necessidades dos consumidores, para que o negócio possa "ter sucesso". "Se ele quer algo que acha bonito e gosta, ele leva pra casa e está tudo resolvido. Agora, se é algo que vai resolver os problemas das pessoas, a chance de dar certo é muito maior. A matemática não falha", reforça.

Os especialistas acreditam que o setor de hotelaria é um nicho a ser explorado por quem deseja empreender na região. "Os eventos na Arena atraem muita gente, isso sem citar os jogos e os shows. Muita gente de fora está alugando kitnets aqui. O Airbnb está bombando, não se acha mais kitnet para alugar na região", afirma João Paulo, que reside a cerca de um quilômetro do estádio alvinegro desde o início dos anos 2000.