No último fim de semana, em menos de 24 horas, C.S., de 16 anos, foi apreendido duas vezes por suspeita de tráfico de drogas em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. Em 14 meses, foram 11 flagrantes pelo mesmo motivo. Só neste mês – em que se comemoram os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que promoveu avanços nas políticas de proteção da infância e juventude –, o garoto foi pego quatro vezes.
Assim como C.S., outros 2.520 adolescentes em conflito com a lei foram atendidos de janeiro a junho deste ano em Minas Gerais pela Subscretaria de Atendimento Socioeducativo (Suase) – média de 14 por dia. No mesmo período do ano passado, foram 3.131 infratores. O governo não passou dados de reincidência, mas só na capital, segundo dados do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), mais da metade (56,2%) dos menores cometeu mais de um delito no ano passado – 2.264 dos 4.022 autores de atos infracionais.
Um problema que está ligado a uma série de fatores, segundo especialistas, como a desigualdade social, a desestrutura familiar, a educação precária e um sistema socioeducativo ainda pouco efetivo.
No caso de C.S., ele foi apreendido na última sexta-feira, segundo a polícia, em posse de 69 microtubos de cocaína, R$ 150 em dinheiro, três telefones celulares e uma arma de fabricação caseira. No sábado (25), ele foi pego na mesma região com 74 microtubos de cocaína, R$ 175 em dinheiro, um celular e um revólver calibre 32, com três cartuchos.
O comandante do 66º Batalhão da PM de Betim, tenente-coronel Halysson Câmara, disse que traficantes usam adolescentes porque sabem que eles não ficarão presos. “Já é usual um menor, em companhia de um maior, assumir ser o responsável pelo material ilícito. A Polícia Militar e a Polícia Civil fazem o seu trabalho, que é de repreender, apreender, enxugando gelo, mas, se não houver a aplicação de uma legislação que permita a esse menor cumprir algum tipo de medida, ele acabará voltando a praticar as infrações”, afirmou.
A reportagem não conseguiu falar com familiares de C.S., mas vizinhos dele relatam que a polícia não sai do local. “É muito triste, porque a gente vê é que um rapaz novo, cheio de saúde e que está nessa situação”, contou um morador, que pediu para não ser identificado.
Betim doou terreno para ampliar rede
A implantação de um centro socioeducativo para menores infratores em Betim é uma demanda antiga. Em 2018, a prefeitura doou um área de cerca de 22 mil metros quadrados para o Estado construir a unidade, que teria 90 vagas. “A obrigação do município, que era doar o terreno, foi feita”, disse o procurador geral de Betim, Bruno Cypriano.
De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), no último dia 13, foi assinado um pacto para a prospecção de terrenos e projeto de 18 unidades, entre elas a de Betim.
Quase mil estão em casa de internação
Minas Gerais tem atualmente 990 adolescentes que foram internados em centros socioeducativos após terem cometido algum ato infracional. A taxa de ocupação é de 64,7% no momento, o que significa que o Estado ainda tem capacidade para acolher 530 menores em conflito com a lei. Para a Polícia Militar (PM), os jovens voltam mais rápido para as ruas em comparação com os adultos que cometem crimes, o que leva à sensação de impunidade e à reincidência.
Mas, para o professor de direito e coordenador do projeto Ciranda, de justiça restaurativa, da UFMG, Fernando Gonzaga Jayme, a internação de menores em centros socioeducativos é uma medida que deve ser evitada. Para ele, esses espaços só devem ser acionados em casos extremos, e a estrutura desses locais também precisa ser revista para possibilitar a reintegração dos infratores.
“São duas situações incomparáveis (maiores e menores infratores). O adulto que pratica um crime é responsável por suas atitudes. Quando falamos de crianças e de adolescentes, estamos falando de uma solidariedade do Estado, da sociedade e da família para cuidar dessas pessoas que estão em formação”, argumenta Jayme.
Segundo ele, os centros socioeducativos precisam oferecer um ambiente mais saudável e acolhedor. “Essas casas de internação deveriam se parecer mais com uma casa ou uma escola do que com uma prisão”, concluiu Jayme.