Barbárie

'Advogado' é preso por agredir menino autista de 5 anos em shopping de BH

Audiência de custódia sobre o caso acontece nesta terça-feira (2), data em que se comemora Dia do Autismo

Por Lara Alves
Publicado em 02 de abril de 2019 | 12:55
 
 
 
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Um homem de 60 anos, que se identificou como advogado, foi preso em flagrante no sábado (30) depois de agredir um menino com autismo, de apenas 5 anos, por ter esbarrado nele enquanto estavam em uma fila na loja Americanas, do Pátio Savassi, shopping na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Não satisfeito, o homem desferiu comentários racistas contra Arlinda Oliveira da Mata, de 28 anos, mãe do menino. 

O homem continua detido e, nesta terça-feira (2), será realizada uma audiência de custódia - no mesmo dia em que se comemora o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. 

A mãe da criança, estudante de direito, contou à reportagem de O TEMPO que estava segurando a mão do filho enquanto esperavam na fila para serem atendidos. Em certo momento, o menino tropeçou em uma caixa que estava no chão e esbarrou no homem de 60 anos. A mãe pediu desculpas e tudo continuou normalmente. 

"A fila seguiu e ele não falou nada. Quase dez minutos depois, quando chegou a vez dele, ele abaixou, colocou a sacola que segurava no chão e deu um tapa na cabeça do meu filho. Depois saiu andando como se nada tivesse acontecido", conta a mãe. Em seguida, ela tentou questionar o homem sobre o porquê da agressão e explicou que seu filho era autista. 

"Ele disse 'não deixa esse moleque encostar em mim, fod#@$ (sic) se ele é autista, eu também sou'. Ele começou a ficar bem vermelho e me xingava de 'preta, obesa mórbida, vagabunda, não deixa esse retardado encostar em mim", relata Arlinda. 

Ela conta ainda que, no momento das agressões, não conseguiu reagir, o homem esbravejava e nenhum dos homens que estavam na loja a ajudaram, apenas as mulheres que estavam na fila. De acordo com a mãe, o gerente da Americanas permitiu que o homem pagasse normalmente sua compra e saísse da loja, pedindo que ela 'deixasse para lá'. 

"Eu fui colocada para fora. Quando ele foi saindo pela porta, as mulheres que estavam lá correram atrás dele gritando para que não deixassem que ele saísse. Foi quando os seguranças do shopping o seguraram. Todos estavam achando que era roubo", contou. 

O homem de 60 anos foi encaminhado até o SAC do shopping, onde permaneceu enquanto aguardava a chegada da Polícia Militar, acionada pela mãe minutos antes. Uma das testemunhas que foi até à delegacia contar o que aconteceu, chegou a ficar no SAC e teria gravado o que o homem falou.

Em uma das gravações, às quais a reportagem de O TEMPO teve acesso, o suspeito teria dito que é "advogado, tem dinheiro e um bom advogado, caro" e que a mãe do menino era uma oportunista. "Eu sou idoso, criança não pode fazer o que quer, tem que ter mãe para controlar", teria afirmado o homem que em outro momento ainda teria chamado a testemunha de "cobra venenosa". 

Enquanto isso, a mãe do menino precisou ficar na porta da loja esperando a chegada da guarnição da PM. "Ele foi conduzido, foi muito bem tratado por todos", contou. Um funcionário do shopping teria ainda desencorajado Arlinda a prosseguir contra a denúncia. "Ele falou 'moça, deixa para lá, ele não bate bem não, é cliente antigo do shopping', conta. 

Depois de registrado o boletim de ocorrência e declarada a prisão em flagrante do homem, Arlinda precisou levar seu filho à emergência hospitalar. O menino de 5 anos teve uma crise decorrente do trauma sofrido e sua medicação precisou ser aumentada. "Momentos depois da agressão, ele se jogou no chão do shopping. Mas como estava medicado, ficou mais tranquilo. Durante a noite ele não dormiu e por volta das 4h de domingo, acordou batendo na própria cabeça, ele dava muitos socos e chorava um choro doído", desabafou a mãe. 

Não é mais advogado

Segundo a OAB-MG, o homem, que se identificou como advogado, teve sua inscrição na Ordem cancelada no início de 2010, não podendo, portanto, atuar mais como advogado. A OAB não pôde informar o motivo do cancelamento da inscrição, por ser informação sigilosa. Leia o comunicado da entidade na íntegra:

"Com relação ao lastimável episódio noticiado recentemente que envolve suposta agressão feita pelo senhor Eduardo Nogueira Reis a uma criança autista, a OAB Minas esclarece que o referido senhor não é advogado, como foi equivocadamente noticiado. 

A inscrição profissional de Eduardo Nogueira na Ordem do Advogados do Brasil foi cancelada no início de fevereiro de 2010, conforme descrito na ficha cadastral disponível publicamente no site da seccional mineira. O profissional só pode atuar e se apresentar advogado quando está regularmente inscrito na instituição, o que não é o caso do senhor Eduardo. 

A OAB Minas reafirma que não compactua com qualquer postura que contrarie os preceitos éticos e disciplinares que regem a instituição e que, por meio de todos os órgãos disciplinadores, trabalha diuturnamente para coibir qualquer ato ou conduta indevida que venha a ser cometida por qualquer dos seus inscritos."

Outro lado

A reportagem não conseguiu encontrar o advogado responsável pela defesa do homem, que continua preso desde então, mas permanece à disposição para esclarecer o ponto de vista do suspeito.

Apesar da denúncia de que funcionários da loja teriam estimulado que a mãe fosse embora e até permitido a saída do agressor, a Lojas Americanas informou, por meio de sua assessoria, que "repudia qualquer forma de preconceito, discriminação e agressão. O gerente da loja intercedeu, chamou a polícia e posteriormente foi à delegacia para colocar-se à disposição da cliente". 

Procurada, a assessoria do Pátio Savassi informou que foi comunicada sobre o episódio de "desentendimento" entre os clientes. "O shopping acompanhou todo o caso, a loja acionou a Polícia Militar, que registrou o Boletim de Ocorrência e conduziu as partes para a delegacia. O caso está sendo apurado pelos órgãos competentes", comunicou. 

Sobre a prisão do homem, a Polícia Civil informou que ele foi preso em flagrante pelo crime de injúria racial contra a criança e autuado pelo artigo 70 do Código Penal, por também cometer um crime contra a mãe da criança. O homem de 60 anos foi encaminhado ao sistema prisional e está à disposição da justiça. 

Dia Mundial da Conscientização do Autismo

Celebrado anualmente desde dezembro de 2007, no dia 2 de abril, o Dia Mundial do Autismo visa a conscientização das pessoas sobre o transtorno que, segundo dados do CDC (Center of Disease Control and Prevention), afeta uma a cada 110 pessoas no mundo. É possível estimar que, no Brasil, afeta cerca de 2 milhões de indivíduos. 

Apesar das discussões travadas na data, o preconceito ainda persiste. A mãe do menino de 5 anos, agredido na Lojas Americanas, contou que tem recebido muitos comentários negativos, vários deles a culpabilizam pela agressão sofrida por seu filho. "Estamos recebendo comentários como 'crianças são chatas' e 'um tapinha não machuca', o mínimo que podiam nos dar é respeito", desabafou. 

Texto atualizado no dia 3.4.2019 às 12h41

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