Nova rotina

Aeroporto de Confins vive entre normalidade e tensão com pandemia de coronavírus

Poucos passageiros usam máscara e funcionários de ônibus ignoram segurança; trabalhadores do terminal apontam redução da demanda

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 12 de março de 2020 | 17:04
 
 
 
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Em meio à pandemia de coronavírus, o Aeroporto Internacional de Confins recebe entre 30 mil e 35 mil pessoas diariamente, e conta com 7.000 trabalhadores. Por isso, os cuidados para evitar contaminação já são visíveis. Passageiros de voos internacionais já desembarcam de máscaras, por exemplo. No terminal, há um voo diário (ida e volta) para a Europa, além de quatro viagens semanais com origem nos Estados Unidos, um desembarque diário do Panamá e três semanais da Argentina, fora as dezenas de voos que conectam Belo Horizonte a cidades como Rio de Janeiro e São Paulo todos os dias.

No saguão e no pátio do aeroporto, a rotina segue em aparente normalidade, mas alguns transeuntes circulam de máscara. Apesar dos alertas, há situações como trabalhadores que entram em contato com malas nos ônibus sem qualquer proteção. 

A cabeleireira Leila Rabelo, 47, vive em Paris, França, e desembarcou em Belo Horizonte, nesta semana, para visitar a mãe, que está internada na UTI e deve passar por uma cirurgia no intestino. Chegando ao Aeroporto Internacional de Confins, em uma tarde quente, Leila sacou uma máscara e a vestiu sobre o nariz e a boca, ao se deparar com a equipe do aeroporto também vestindo o acessório e luvas na área interna do desembarque internacional.

“Eu trouxe a máscara na bolsa e não usei no avião. Mas, quando cheguei, até a polícia estava usando e isso me apavorou um pouco. Na Europa, eu não estava sabendo qual é a situação em Belo Horizonte". Do aeroporto, ela disse que iria seguir para Divinópolis, onde a mãe está internada. A cidade também é casa de uma das duas pacientes comprovadamente contaminadas de Minas Gerais.

Outra passageira que desembarcou da conexão com Portugal no mesmo voo foi a pedagoga Ana Maria Santana, 70. Ajustando a máscara sobre o nariz a cada poucos segundos, ela conta que estava na fronteira da Suíça com a França desde o Natal, na casa da filha. 

"Vim de máscara no vôo. Incomoda muito, mas é por precaução. Por enquanto, eu não tive febre e nenhum sintoma". Na Europa, ela não vinha fazendo uso do acessório. Depois do desembarque, apressou-se para pegar um ônibus rumo a Contagem, onde vive. A intenção é continuar de máscara no transporte público no dia a dia.

O voo de Leila e Ana Maria veio de Lisboa, cidade portuguesa que contabiliza 17 casos de contaminação (são 54, em toda a Portugal). De acordo com funcionários do aeroporto, os voos internacionais têm chegado mais vazios que o habitual nas últimas semanas.

Ao contrário das duas, a maioria dos passageiros que desembarcou do voo não usava máscara. O cenário foi o mesmo na tarde que O TEMPO passou no aeroporto. Segundo Nicolau Maranini, gerente de comunicação e ouvidoria da BH Airport, o clima é de normalidade no aeroporto, sem pânico entre equipe e passageiros.

"Todo funcionário na área de embarque e desembarque internacionais têm que ter, à disposição, os equipamentos de segurança, como luva, máscara e óculos descartáveis. Há o pessoal que trabalha no avião, que tira malas, gente no taxiamento, quem pega as malas na esteira e o pessoal do raio-x. Fora dessas áreas, não é obrigatório, pela Anvisa. Mas, se nossos funcionários no posto de informações, por exemplo, quiserem usar equipamento de proteção individual, podem requerer e usar", explica Maranini.

 

Tranquilidade é gradual

Raíssa Torres, 18, e Priscila da Silva, 22, trabalham em uma loja de óculos no primeiro piso do aeroporto. Elas dizem que, nos primeiros dias da epidemia, viam mais passageiros de máscara pelo saguão, mas isso tem diminuído. "Antes, teve um cliente dizendo que não ia experimentar os óculos por causa do coronavírus", diz Raíssa, que afirma que a procura pelos itens já se normalizou.

"Nos primeiros dias, tinha um pessoal com máscaras enormes, depois aquela azul, tipo de pedreiro, agora as brancas, comuns. Mas aquele é o primeiro passageiro que vejo de máscara hoje", diz Priscila, apontando o saguão.

O passageiro que indica é o advogado Marcelo Rosa, 56. Ele retornou da Europa no último domingo, de passagem por Alemanha, Escócia, Inglaterra, e Itália. Quando chegou ao Brasil, vieram os sintomas de resfriado. 

O paulista veio a Belo Horizonte para participar de uma audiência. Conforme diz, já fez o exame para detecção do coronavírus no Hospital Sírio Libanês na noite de segunda-feira, mas ainda não teve acesso aos resultados. "Não tive febre, dor de garganta ou falta de ar. Foi um resfriado mesmo".

A OMS recomenda uso de máscara, justamente, para pessoas com sintomas, além de quem esteja acompanhando doentes. Pessoas assintomáticas e sem comprovação de doença não precisam utilizar o acessório.

De meia em meia hora, o aeroporto emite um alerta sonoro pedindo que pacientes de voos internacionais que apresentem sintomas procurem o posto médico do prédio, que pode encaminhar o paciente a um dos hospitais de referência de Minas. Até então, de acordo com a BH Airport, ninguém foi ao atendimento.

 

Higiene básica não é respeitada por todos

Nos banheiros do aeroporto, há sabonete líquido disponível, mas parte dos homens que usaram a pia não lavou as mãos corretamente e não seguiu todos os passos recomendados pela OMS. Depois de molharem as mãos, passaram poucos segundos na pia e saíram do local.

Do lado de fora, na área de embarque dos ônibus, dois profissionais de uma empresa de transporte, que preferem não se identificar, contam que a companhia não fornece álcool em gel a eles, que precisam comprar o produto por conta própria — e o esqueceram, no dia em que falaram a'O TEMPO. Sem luvas, eles colocam e retiram malas de passageiros de todas as partes do mundo no bagageiro dos veículos.

De acordo com Nicolau Maranini, gerente de comunicação e ouvidoria da BH Airport, funcionários de empresas fora das áreas diretamente relacionadas a embarque e desembarque precisam solicitar aos empregadores que forneçam material higiênico pessoal.

O taxista Wilmar Alves, 60, guarda uma máscara no táxi há aproximadamente 10 dias, mas não a tem utilizado por medo de assustar os clientes. "Se eu usasse, eles ficariam com medo e nem entrariam no carro. Quem está correndo mais risco somos nós, taxistas, porque pegamos os passageiros e temos que fechar o vídro e ligar o ar-condicionado, fica todo mundo respirando o mesmo ar. Se deixar o vidro aberto, eles não gostam".

À distância, ele acompanha a situação da irmã, que vive em Milão, na Itália, por fotos e áudios no WhatsApp. Em uma imagem, ela posa de máscara no estacionamento de um supermercado, onde diz esperar por horas na fila para fazer compras.

 

Produtos em falta

Em uma das farmácias do aeroporto, a balconista Edna dos Reis, 39, explica que as máscaras acabaram há cerca de duas semanas, e a loja ainda não encontrou um novo fornecedor. Ela tem vendido cerca de 200 frascos de álcool em gel diariamente — a R$ 12,90, o frasco de 60 ml, valor que não tem sido questionado pelos clientes.

"O que mais a gente vê aqui são pessoas usando tudo incorretamente. Passam álcool em gel e limpam a mão na roupa ou usam máscara abaixo do nariz", diz Edna.

A educadora física Anna Paula da Silva, 29, andava sem máscara pelo aeroporto, mas tinha 3 caixas com 50 unidades, cada, na mochila. De mudança para a Holanda, onde pretende vender doces e salgados brasileiros pela internet e viver com o namorado holandês, diz que a ideia era colocar a máscara no saguão de embarque, se visse mais pessoas utilizando o acessório.

"Nessa noite, até sonhei com o coronavírus. E fiquei com medo de cancelarem minha viagem. Eu mesma não cancelaria, porque o vírus já chegou ao Brasil. Se aqui alastrar igual na Europa, vai ser muito pior", supõe, a poucas horas de embarcar ao continente europeu.

 

Confira vídeo com os passageiros e funcionários do terminal do Aeroporto de Confins: 

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