Com mais de 60 mil pessoas privadas de liberdade e apenas 16 mil policiais penais para garantir a ordem e a ressocialização destas pessoas, o sistema prisional de Minas Gerais é, para o presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de Minas Gerais (Sindasp), um "barril de pólvora prestes a estourar". A afirmação acontece após, nesta terça-feira (17), um ônibus ser queimado em Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, e, por um bilhete, detentos ameaçarem "atear fogo" em pelo menos 20 cidades e "acabar" com a cidade de Formiga, no Centro-Oeste do Estado, reivindicando melhores condições nas unidades prisionais.

Segundo Jean Otoni, presidente da entidade que representa os agentes que atuam nos presídios, o número de policiais penais está muito abaio do recomendado para se manter a "ordem e a paz nas unidades prisionais". "Não tem como trazer a dignidade, tanto para os policiais como para os presos, quando temos locais com oito agentes para cuidar de 2.400 detentos. A superlotação e a falta de profissionais é uma realidade em todas as unidades", garante. 

No texto entregue pelos criminosos que atearam fogo no coletivo, os suspeitos reclamam de maus-tratos nas unidades prisionais do Estado, mas citam, "em especial", a unidade de Formiga, dizendo que os detentos e suas famílias estão sendo maltratados na penitenciária da cidade de pouco mais de 67 mil habitantes. 

"Nossas familias tão (sic) sendo maltratadas, e nós presos estamos sofrendo uma covardia e vivendo de um jeito desumano, único jeito de chamar a atençar de orgãos maiores foi essa, pois somos trancados aqui em Formiga e esquecem que somos gente", dizia o bilhete.

Ainda conforme o presidente do Sindasp, a Penitenciária de Formiga é, na verdade, um retrato de todo o sistema prisional mineiro. "A gente tem que pensar que, para além dos internos nas unidades, os policiais precisam lidar também com os dias de visitas, quando as famílias vão com dois ou três familiares, crianças. Imagina o número de pessoas que estão transitando e o número baixo de policiais para atender a todos", completa Otoni. 

Atualmente, existe um concurso público em andamento que prevê 2.200 novos policiais no sistema. O processo chegou a ter a última etapa anulada, em dezembro, e, na última semana, registrou dois candidatos que morreram durante os testes físicos. Entretanto, ainda conforme o presidente do sindicato, o número ainda é pequeno, já que a lacuna existente seria de mais 5 mil vagas para novos profissionais. 

"Isso tudo sem falar em problemas que são comuns entre presos e policiais, como a alimentação, que chega azeda para eles. Temos também a falta de técnicos, como médicos, assistentes sociais, psicólogos, o que acaba desviando os policiais de suas funções e prejudicando o atendimento aos detentos", finaliza. 

A reportagem de O TEMPO procurou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) que informou que não procede a informação que o sistema prisional mineiro conta com mais de 93 mil custodiados. "Atualmente a população carcerária é de cerca de 60 mil detentos. Em relação à polícia penal, há cerca de 16 mil policiais penais em todo o estado. Por questões de segurança, dados sobre populações carcerárias de unidades específicas não são divulgados", esclareceu em um dos trechos. O comunicado na íntegra pode ser lido abaixo.

A Prefeitura de Formiga também foi procurada, mas ninguém foi encontrado para comentar a situação. A Polícia Militar (PM) também foi perguntada sobre reforço no policiamento nas cidades ameaçadas, mas, até agora, não respondeu à solicitação. 

OAB-MG poderá visitar Penitenciária de Formiga

Ouvido pela reportagem, o presidente da Comissão de Assuntos Peniteciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Maikon Vilaça, afirmou que a Penitenciária de Formiga chegou a ser alvo de uma inspeção em 2022. Porém, com as novas denúncias recebidas após o ônibus queimado nesta terça, a possiblidade de uma nova vistoria na unidade está sendo verificada. 

"Precisamos verificar se há algum tipo de violação dos direitos humanos e, se encontradas, será incluído em nosso relatório. Também nos colocaremos à disposição dos órgãos fiscalizadores, pois não deixaremos que ocorram violações dos direitos dos detentos", garantiu. 

Apesar disso, ainda segundo ele, a OAB-MG repudia qualquer tipo de manifestação violenta ou ameaçadora. "Sabemos das informações que foram trazidas e vamos, da maneira correta, fazer as apurações. Temos hoje um trabalho muito intenso nessas unidades prisionais e, hoje, qualquer penitenciária em Minas vai ter uma superlotação carcerária, são questões de politica pública passadas que recaem sobre a atual. É deficit de profissionais, de celas, e sabemos que a punição é um ato necessário e civilizatório, mas sempre resguardando os direitos humanos", completou Vilaça. 

Minas é o terceiro Estado com mais coletivos queimados

Em levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Minas Gerais aparece, entre 2004 e 2023, como terceiro estado brasileiro com mais ônibus totalmente destruídos por incêndios, com 439 veículos queimados. O estado fica atrás apenas de SP (765) e RJ (619). 

Ainda conforme a entidade, em 2022 foram queimados 10 coletivos em Minas Gerais, sendo 7 deles na região metropolitana de BH, sendo cinco na capital mineira, um em Ibirité e um em Ribeirão das Neves. Em todo o país, desde 1987 foram 4.728 ônibus incendiados, 20 vítimas fatais e 79 feridos graves. 

Procurado, o Sindicato de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram) lamentou a perda de "mais um veículo incendiado", afirmando que, pra além da perda material e do prejuízo financeiro, os maiores prejudicados pelo vandalismo são os passageiros da linha afetada. 

"A entidade destaca que a reposição deste veículo significa um reinvestimento superior a R$ 600 mil. O Seguro de Frota contratado não cobre este tipo de prejuízo, pois foi causado por ato de vandalismo criminoso. O SINTRAM informa também que está trabalhando junto às forças de segurança para identificar os autores do ato criminoso. O profissional envolvido irá receber acompanhamento do setor de Recursos Humanos da concessionária responsável pela operação da linha", completou a entidade.

Nota da Sejusp na íntegra

"A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), informa que tem conhecimento da ocorrência desta madrugada (17), quando um ônibus foi incendiado em Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, e um bilhete com ameaças foi encontrado. Neste momento, é importante esclarecer que investigações serão realizadas a fim de elucidar se as ameaças realmente partiram de custodiados de alguma unidade prisional do estado.

A ocorrência será investigada criminalmente pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). O Depen-MG aguarda a finalização das apurações policiais, que poderão apontar mais detalhes sobre o fato e, de forma integrada com as demais forças de segurança, poderá contribuir por meio das suas informações de inteligência. 

As forças de segurança de Minas Gerais trabalham constantemente para a manutenção de um estado seguro. Ações estratégicas estão sempre em andamento, incluindo as medidas relacionadas ao sistema penal. Por questões estratégicas e de segurança, detalhes não são divulgados. 

Não procede a informação que o sistema prisional mineiro conta com mais de 93 mil custodiados. Atualmente a população carcerária é de cerca de 60 mil detentos. Em relação à polícia penal, há cerca de 16 mil policiais penais em todo o estado. Por questões de segurança, dados sobre populações carcerárias de unidades específicas não são divulgados.

Sobre a ocorrência citada, de 2021, a Sejusp informa que, à época dos fatos, foi instaurado procedimento administrativo, acompanhado pelo Ministério Público, e do qual concluiu-se que não houve maus-tratos na ocasião. A atitude de colocar os detentos no pátio precisou ser tomada como medida de segurança, com objetivo de resguardar a vida dos próprios detentos. Todas as denúncias relativas ao sistema prisional, quando devidamente formalizadas, são apuradas com o rigor que os fatos requerem. A Sejusp, por meio do Depen-MG, reitera que as denúncias recebidas por meio dos canais oficiais são sempre apuradas pelas instâncias competentes. A responsabilização de atores envolvidos em qualquer prática que não são seja condizente com o trabalho desempenhado pelos servidores do sistema prisional mineiro é preceito prioritário.

A respeito dos concursos públicos, na última semana ocorreu o TAF (Teste de Aptidão Física) para o concurso da Polícia Penal. Serão 2.420 vagas para atuação em todo o estado. Além disso, encontra-se em fase final o Processo Seletivo para Agente Penitenciário, que oferecerá 3.506 vagas".

Matéria atualizada às 18h07