Às 15h06 deste sábado (18), as sirenes tocaram e o carro de som da mineradora Vale anunciou a necessidade de evacuação da área que poderia ser atingida em caso de rompimento da barragem da mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais, na região central de Minas. Era o início do simulado que foi marcado após ser constatado o risco iminente de ruptura da barragem, que pode atingir diretamente 6.000 pessoas da cidade.
Esse era também o número esperado de participantes no exercício, mas, ao todo, apenas 1.625 pessoas participaram do treinamento, ou pouco mais de um quarto do total.
"Foi um número menor do que esperávamos, mas conseguimos a mobilização da cidade. Muitas pessoas nos disseram que não participaram da simulação porque já haviam participado do outro simulado realizado e, por isso, já sabiam das rotas de fuga e decidiram não se encaminhar até o ponto de encontro", disse o coordenador da Defesa Civil do Estado, tenente-coronel Flávio Godinho.
Apesar do número menor de pessoas na simulação, o tempo gasto para concluir o treinamento foi maior. O primeiro simulado realizado pela Defesa Civil foi finalizado em 32 minutos. Agora foram gastos 43 minutos.
"Por se tratar do segundo simulado, as pessoas saíram com menos pressa das suas casas. Mas saímos com a sensação de que cumprimos a missão de concluir dentro do tempo de salvamento, uma vez que os rejeitos atingiriam a cidade em 1h12", afirma Godinho. Ao todo, 424 agentes participaram do simulado, orientando a população.
Medo amplificado
A todo momento, os autofalantes reforçavam que se tratava apenas de um simulado, uma prevenção para evitar pânico, uma vez que os últimos acontecimentos aumentaram o risco de uma nova tragédia acontecer em Minas. O risco cada vez mais real amplificou o medo dos moradores da cidade.
A aposentada Vanda Lúcia Guimarães, 69, teve que sair de casa e caminhar por 14 minutos empurrando o marido de 90 anos em uma cadeira de rodas. Ela chegou ao ponto de encontro ofegante.
"Diante da situação do meu marido, eles nos ofereceram hotel, mas eu achei melhor continuar em casa. Em fevereiro, quando tivemos notícia do risco, me mudei com meu marido pra casa do meu filho. Mas ele não se adaptou bem e entrou em depressão, e voltei para minha casa e vou ficar lá. Só saio em último caso", afirmou Vanda.
Mesmo com o aumento do risco nos últimos dias, ela mantém a decisão e disse que o simulado mostrou que é possível sair de casa em tempo: "Gastei 14 minutos para chegar ao ponto de encontro. A estimativa é que a lama atingiria a cidade em 1h12 minutos".
A dona de casa Daniela Alves, 38, já está mais preocupada. Ela chegou até o ponto de encontro de nariz de palhaço em protesto contra a situação provocada pela Vale. Ela afirma que nos últimos dias vive com medo durante 24 horas. "Eu tenho uma filha de 13 e outra de 8. Com esse rompimento podendo ocorrer a qualquer momento, como que eu fico tranquila com os meus filhos na escola? Se o rompimento ocorrer quando estiverem lá, como que eu confio que vão cuidar dele e que eles estarão salvos?”.
A aposentada Maria Geralda Garcia, 66, já teve que abandonar sua casa e agora vê o outro local em que mora ameaçado. "Eu moro na primeira área que seria atingida em caso de rompimento e tive que me mudar em fevereiro. Saímos às pressas para um outro imóvel que tenho. Inclusive ele estava alugado e eu tive que retirar os inquilinos. Agora voltamos a ter medo novamente e ter que participar de um outro simulado", afirmou. Ela disse que demorou 20 minutos para sair da casa nova até o ponto de encontro.
Protesto contra a Vale
Parte dos participantes do simulado chegaram até o ponto de encontro de preto e com faixas de protesto contra a Vale. "Bento Rodrigues nunca mais. Brumadinho nunca mais", eram os gritos que entoavam enquanto os moradores iam se aglomerando no ponto de encontro.
O servidor público Maxwell Andrade, 31, foi um dos que além de ir para o simulado, também participou de um protesto contra a Vale. "A gente aqui não está vivendo. Estamos só vendo os dias passar cobertos pelo medo. Desde fevereiro estamos nessa situação. Só tivemos um refresco em abril quando pensamos que a situação ao tinha melhorado. Agora volta esse terror com um risco cada vez mais real de vermos Barão de Cocais ser o palco de uma.nova tragédia envolvendo a Vale em Minas", destacou.
O coordenador da Defesa Civil do Estado, tenente coronel Godinho, viu com naturalidade os protestos. "Eles não estavam protestando contra a Defesa Civil ou contra o simulado. Nós estamos lá pra ajudar uma situação que já existe. Então não somos o foco do protesto" destacou.
Talude em movimento
O simulado foi marcado depois que o Ministério Público revelou problemas na estabilidade do talude de uma das cavas de minério da mina de Gongo Soco. Segundo estudos realizados pela própria Vale, o talude está se movimentando em velocidade bem mais rápida que o normal e pode desmoronar entre os dias 19 e 25 de maio. A Agência Nacional de Mineração (ANM) já da como certo o colapso do talude.
A princípio isso não seria um grande problema, pois o próprio buraco da cava conteria a terra que desceria. O problema é que a Cava fica a 1,5 km da barragem de rejeitos da mina de Gongo Soco. O desmoronamento do talude pode afetar a estabilidade da estrutura da barragem provocando também o rompimento da contenção dos rejeitos da exploração minerária que poderiam chegar até o centro de Barão de Cocais.