Quem frequenta o segundo andar do edifício Arcangelo Maletta, no Centro de Belo Horizonte, depara-se, na varanda, com uma placa denunciando: “o bar ao lado* é transfóbico”. Pregada nas paredes no Olympia Coop Bar, que é comandado por pessoas transsexuais, não apenas a faixa, mas toda a estrutura do estabelecimento será retirada do prédio no início de abril deste ano.
A saída do local, um dos símbolos da boemia na capital, ocorre a contragosto das administradoras do empreendimento. Após denunciarem, em fevereiro, várias situações de conflito e discriminação que ocorreram no edifício nos últimos anos, o proprietário do ponto onde o bar funciona alegou que o contrato delas havia terminado, e afirmou que só permitiria que permanecessem na loja caso pagassem um valor quatro vezes maior pelo aluguel – coisa que, segundo as proprietárias, é inviável.
O Olympia funciona desde 2018 no Maletta, quando parte de uma cooperativa que comandava outro bar no mesmo local cedeu o espaço. Desde que apenas pessoas trans começaram a trabalhar no ponto, explica Libernina, diretora administrativa do estabelecimento, houve diversos problemas, tanto com outras lojas, como com a administração do Maletta. As ocorrências, que em alguns momentos chegaram ao ponto de conflitos físicos, escalaram-se até que, por duas vezes entre janeiro e fevereiro, oa proprietários do “bar ao lado”, a quem as administradoras acusam de transfobia, chamaram a Polícia Militar (PM) para que a faixa com a denúncia fosse retirada.
No boletim de ocorrência registrado pelos militares da última vez, no dia 28 do mês passado, o dono do estabelecimento acusou as proprietárias do Olympia de difamação, e negou que ele, ou seus funcionários, tivessem cometido os insultos. “De acordo com a vítima, (a acusação de transfobia) não se justifica. Ele alegou que nunca houve qualquer atentado quanto à opção sexual das pessoas do bar”, diz o texto da PM. No registro, também consta depoimento de funcionárias do Olympia, que reafirmaram sofrer “diversos insultos e atentados” quanto a sua identidade de gênero. Também, há a acusação de que funcionários do estabelecimento teriam jogado um balde de água suja em uma das funcionárias. “Durante atendimento da ocorrência não foram deferidos insultos por qualquer uma das partes”, ressaltaram os militares.
Posteriormente, o pedido de retirada do cartaz se estendeu ao síndico do prédio, e a alguns funcionários, que também tentaram removê-lo. A administração do prédio foi procurada, mas informou que o síndico não estava presente. Contudo, a única coisa que pesou para que o Olympia saísse do edifício foi o pedido do proprietário da loja, que é professor da Universidade Federal de Minas Gerais, e militante de esquerda. “O dono não precisa da verba, mas insistiu em usá-la como justificativa. É revoltante, é triste. No fim das contas, por mais revolucionário que a pessoa diga ser, o que manda é o dinheiro”, lamenta Libernina. Procurado, o proprietário não foi encontrado. O advogado que o representa atendeu o telefone, mas afirmou que "devido ao código de ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)", não se manifestaria sobre o caso.
“Desde que começamos a trabalhar só com pessoas trans no bar, em 2018, os donos do ‘bar ao lado’ e seus funcionários começaram a debochar das meninas trans que trabalhavam no atendimento”, conta a diretora. Em diversas situações, segundo ela, eles se sentavam em frente às mesas do Olympia e “ficavam rindo, sem a menor discrição” das funcionárias transsexuais, que também respondiam às ofensas. Libernina diz que procurou a administração do Maletta, que prometeu que tomaria providências para que a situação acabasse. Contudo, ela afirma que nada foi feito. “Continuou do mesmo jeito. As meninas começaram a responder à altura, teve uma que deu um barraco, gritou com eles”, lembra.
Os funcionários do bar ao lado, afirma, comumente colocavam mesas próprias no espaço destinado aos clientes do Olympia, e por várias vezes se recusaram a retirá-las. Em uma das ocasiões, Libernina conta que o filho do proprietário chegou a xingar seus funcionários, chamando-os de “viados”. “Expomos a situação publicamente em fevereiro. Não citamos nomes de ninguém, deixamos subentendido. Quando viram isso, chamaram a polícia”, relata. Algumas semanas após o ocorrido, o advogado do proprietário do ponto entrou em contato com ela afirmando que o bar precisaria sair do local.
“O advogado falou que o contrato tinha encerrado e que o dono queria a loja de volta. Não explicou o motivo. Falou que tínhamos 30 dias para sair”, diz. A diretora tentou contato direto com o dono, mas não foi respondida. “Tentamos argumentar que várias das pessoas que trabalham conosco dependem do salário para sobreviver, tentamos ressaltar a causa social de empregar pessoas trans, mas não houve diálogo e não temos a condição de pagar o valor que pediram”, lamenta.
Agora, sem condições de cobrir a oferta feita pelo proprietário, Libernina diz que o Olympia não existirá mais. Contudo, ela espera que, se conseguir levantar recursos e encontrar um novo espaço, abrir um espaço cultural voltado para pessoas negras e LGBT’s no futuro. “Temos planos de vender coisas na rua, talvez vender comida por aplicativos, tentar outras coisas. Quero inaugurar um centro de cultura no futuro, mas vai depender de verba. Sabemos que o problema não foi a placa, mas estarmos ali. Isso incomoda as pessoas.”, conclui.
*A reportagem não conseguiu localizar os proprietários do estabelecimento. Por isso, preservou os nomes dos envolvidos.