Sentar-se na cadeira, retirar a máscara e manter a boca aberta durante uma hora é um cenário que manteve o metalúrgico aposentado Elci Nascimento, 67, longe dos consultórios de dentista durante a pandemia, mesmo tendo um problema crônico de gengiva que demanda atendimento a cada seis meses. "Alguém assintomático e com Covid-19 pode ter ido antes de mim. Eu acho que ir ao dentista é se expor muito", explica.
Como ele, entre 20% e 25% dos pacientes, em Minas, ainda deixam de procurar o consultório do dentista por receio da Covid-19, segundo estimativa da Associação Brasileira de Odontologia de Minas Gerais (ABO-MG), que representa 2.000 profissionais no Estado.
O Conselho Regional de Odontologia (CRO-MG) mantém a recomendação de que apenas consultas inadiáveis sejam realizadas. Mas isso não quer dizer que qualquer limpeza de dente, por exemplo, não possa ser feita. Sob orientação do CRO-MG, o dentista deve decidir com cada paciente o que deve ou não ser adiado. Se a limpeza fizer parte do tratamento de um problema crônico, por exemplo, pode prosseguir.
“O profissional deve avaliar o risco-benefício de atender os pacientes, porque, se eles puderem esperar, o ideal é que adiem o atendimento mais um pouco”, diz a dentista Célia Cristina Teixeira, presidente da Comissão de Biossegurança e Vigilância Sanitária do CRO-MG. Antes do atendimento, também é recomendado questionar se o paciente tem algum sintoma gripal ou se teve contato com pessoas com suspeita de Covid-19.
O infectologista Carlos Starling concorda que ainda não é o momento de insistir em procurar atendimento que não seja essencial, mesmo que os consultórios tomem cuidados para prevenir o contágio. “Ainda estamos com uma epidemia em franca evolução. Parte dos atendimentos odontológicos gera aerossol, que pode levar a contaminação do próprio profissional e dos seus assistentes”, pontua o médico.
A limpeza, por exemplo, utiliza jato de bicarbonato, o que causa a suspensão de partículas finíssimas no ar, que podem levar ao contágio pelo coronavírus, se houver alguém doente no local. A recomendação do CRO-MG, segundo Teixeira, é que a sala do atendimento fique vazia por cerca de três horas após a realização desse tipo de procedimento.
Os horários de consulta também devem ser modificadas, segundo Teixeira, com apenas um atendimento a cada, no mínimo, meia hora. A rotina de aguardar na sala de espera precisa desaparecer: o ideal é que o paciente chegue no horário marcado e só leve acompanhante se for imprescindível — caso dos atendimentos pediátricos, por exemplo.
Os dentistas são obrigados a utilizar máscara durante todo o atendimento. Já que os pacientes, porém, precisam ficar sem o acessório, o infectologista Carlos Starling recomenda eliminar as conversas durante as consultas, sob risco de o dentista dispersar o vírus. “É fundamental falar apenas o necessário. Também é importante que o profissional realize teste de Covid-19 periodicamente, porque se ele ou algum assistente estiver doente, corre o risco de infectar o paciente”, aconselha o médico.
A dentista Juliana Pacciola lista sinais que devem levar o paciente a procurar atendimento, mesmo na pandemia. “Sangramento gengival, dor ou alguma alteração na mucosa, dor ao abrir ou fechar a boca e dor ao comer algo gelado chamam atenção”, detalha.
Dentistas relatam aumento nos casos de bruxismo
Em meio à ansiedade causada pela pandemia, dentistas relatam aumento de casos de bruxismo nos consultórios. O problema, que afeta cerca de 30% da população global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é caracterizado pelo aperto excessivo da mandíbula e pode ser ocasionado por fatores emocionais e psicológicos.
Em uma clínica odontológica no Vila da Serra, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, os casos de bruxismo aumentaram cerca de 30% desde o início da pandemia, em relação ao mesmo período de 2019, afirma Luís Felipe Brasil, especialista em prótese e implantodontia e membro da Sociedade Brasileira de Odontologia Estética.
A dentista Juliana Lucciola relata o mesmo panorama: “Antes, eu fazia três placas de bruxismo por mês, agora eu faço de seis a oito. O bruxismo é a bola da vez e vai trazer muitos pacientes de volta ao consultório”, diz.
Foi o que aconteceu com a pedagoga Elaine Benden, 36. “A dor no dente já me acompanhava antes da pandemia, só que aumentou nesse período. Eu tenho duas crianças, meus meninos estavam sem aula, eu precisava trabalhar, não tinha com quem deixar as crianças e isso foi me gerando picos de ansiedade. Precisei procurar atendimento de urgência, porque meu dente chegou a quebrar”, conta.
Os sinais de alerta, segundo Felipe Brasil, incluem dores de cabeça, nos dentes e no músculo da mandíbula. Pessoas com o problema também podem sentir dificuldade em abrir a boca ou perceber estalos próximos ao ouvido e às têmporas.
Com aumento de custos, CRO-MG limita convênios que podem ser aceitos nos consultórios de dentistas
“A partir de agosto começamos a retomar a normalidade dos atendimentos, porém com grandes obstáculos, pois os custos de EPIs, como máscaras, luvas e jalecos descartáveis estão bastante elevados. Além disso os valores de matérias de assepsia e limpeza de forma geral também estão bastante onerados”, diz Carlos Machado, presidente da Associação Brasileira de Odontologia de Minas Gerais (ABO-MG).
O aumento dos custos, em meio à baixa nos atendimentos, é um dos motivos apontados pelo CRO-MG para limitar os convênios que podem ser aceitos por consultórios em Minas, segundo a dentista Célia Cristina Teixeira. Uma resolução publicada neste mês pelo conselho indica uma lista dos convênios que ainda serão aceitos, por estarem em acordo com a regulamentação do órgão.