Longevidade

BH ostenta a quinta melhor expectativa de vida no país para mulheres

Capital mineira está atrás apenas de cidades do Sul do Brasil e aparece com o 40º melhor índice na América Latina para o sexo feminino

Por Lucas Morais
Publicado em 05 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
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O ano era 1975. Aurenir Maria da Silva, hoje aos 75 anos, deixou o interior de Minas Gerais para construir uma nova vida na capital com a família. Em um terreno no bairro Rio Negro, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará, ela começou do zero a construção da nova casa. "Quando eu mudei para cá, era água de cisterna, fossa, rua sem calçada e muito barro", conta. Passados 46 anos, a situação difícil mudou completamente. "Hoje não, a rua é asfaltada, tem telefone, rede de esgoto, posto de saúde, farmácia, tem tudo", acrescentou.

Retrato de como as condições de vida nas cidades brasileiras melhoraram nas últimas décadas, Aurenir assumiu há pouco tempo os cabelos brancos. "Tirei fotos, postei para a família e falei que eles (os cabelos) não representam o meu fim, porque agora é que eu estou recomeçando a viver.", disse. Sempre com um sorriso no rosto e falante, como gosta de se definir, a aposentada se recorda dos tempos difíceis para conseguir atendimento médico no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). 

"A gente tinha que dormir na fila para conseguir uma consulta. Meu filho me acompanhava e eu sempre conversava muito com as pessoas. E ele perguntava se eu as conhecia. Tudo mudou muito, não existe isso mais", relatou. Ativa, Aurenir acorda cedo todos os dias e até hoje trabalha em casa. "Eu faço tanta coisa. Tem o sabão caseiro que vendo, tempero, crochê em pano de prato, faço reforma em roupas. Se eu quiser trabalho dia e noite, porque tem muito serviço. Se a gente parar, enferruja", aconselhou. 

No quintal, ela ainda mostrou a infinidade de plantas e hortaliças que cuida com muito carinho e ainda sobra tempo para administrar os aluguéis das casas que tem no fundo do terreno. "Mês passado mesmo eu estava com pedreiro aqui reformando, e cuido de tudo graças a Deus, com muita alegria", relatou. E um estudo do projeto Saúde Urbana na América Latina (Salurbal), coordenado no Brasil pela UFMG com o apoio da USP e Fiocruz, mostrou que a Aurenir e outras milhões de mulheres vivem na região com a quinta maior expectativa de vida do país, atrás apenas de cidades do Sul.

Conforme o estudo, que analisou a mancha urbana que se estende por Belo Horizonte e outros 21 municípios da região metropolitana, a média de vida é de 80,5 anos – Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, que lidera o ranking, chega a 82 anos. Ainda faltam pouco mais de cinco anos para Aurenir atingir essa idade, mas ela disse que quer viver muito mais que isso. "Estou com 75 anos e nunca senti uma dor de cabeça, me alimento bem e sempre cuido da minha saúde. Tem um ditado que fala que a morte é um descanso, então eu prefiro morrer cansada. Não penso em morrer tão cedo", afirmou.

“A primeira ideia que temos com esse estudo é que o problema não é viver na cidade, mas sim, o tipo de cidade.  Assim, uma gestão local, com políticas urbanas abrangentes e inclusivas, pode ter muito impacto sobre a saúde. Então para melhorar a saúde nas cidades, é preciso ir muito além da assistência médica. Para construir um lugar bom de se viver, é preciso pensar a cidade como um organismo vivo", pontuou a pesquisadora do Salurbal e professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Amélia Augusta de Lima Friche.

Políticas públicas explicam melhor desempenho

Segundo a professora do Departamento de Geografia da UFMG, Heloísa Soares de Moura Costa, Belo Horizonte tem priorizado os setores populares na adoção de políticas públicas nas últimas três décadas. Com isso, houve uma intensa melhoria na expectativa de vida. "Esse estudo trabalha muito com indicadores de saúde urbana, além de saneamento e serviços básicos. E também tem um componente importante ligado à alimentação adequada, não só ligado à renda, e ainda acidentes de trânsito, violência".

A especialista lembra que a capital já tem consolidada políticas de segurança alimentar, intervenção em vilas e favelas, além do acesso à água e esgoto. "Tem políticas de saúde muito intensivas e com uma certa continuidade, apoio à população de rua, catadores de materiais recicláveis. Uma série de fatores que tentam proteger a vida. Mesmo que não tenham todas a mesma intensidade, isso acaba tendo resultados positivos no sentido de criar uma rede mínima de proteção social", argumentou.

Expectativa menor

Apesar de ter um dos melhores indicadores no país para as mulheres, a situação do sexo masculino em Belo Horizonte é outra. Na 37º posição brasileira e em 131º na América Latina, a região conta com uma expectativa de vida de 72,7 anos – pouco mais de dois anos menor que Bento Gonçalves, mais uma vez líder do levantamento no país com 74,9 anos. Para a professora do Departamento de Geografia da UFMG, Heloísa Soares de Moura Costa, uma das principais justificativas para essa diferença é a violência.

"É uma soma de fatores, se botasse sexo e idade juntos fica mais claro ainda que tem uma quantidade enorme de mortes violentas nos jovens, homens e negros. Tem um lado que é um pouco cultural e de gênero que também ajuda a prevenir doenças, tomar os cuidados necessários na hora que alguma coisa se anuncia", explicou. 

Aos 77 anos, o historiador Luis Goes é morador do bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte, e já ultrapassou esse indicador. E o segredo: cuidar da saúde e sempre se manter ativo. "Tenho vários amigos que perto de mim e parecem ter 100 anos. São da minha idade, mas pessoas que não aproveitam, não leem, não fazem um trabalho. Nessa pandemia mesmo eu escrevi 14 livros, todos sobre Belo Horizonte e o Santa Tereza. E ficava noites e noites acordado. É isso que me move. Eu ainda vou ao médico, no mínimo, de seis em seis meses, faço os meus exames, vejo se tem alguma coisa diferente", revelou.

Além disso, o aposentado lembra que a mineiridade é outro fator que ajuda. "Mesmo sendo uma cidade com quase três milhões de habitantes, Belo Horizonte ainda é uma cidade tacanha. O mineiro, por sua natureza, ainda preserva muitas as coisas tradicionais, muita família vem do interior. Aqui no bairro Santa Tereza, por exemplo, tem gente de todo tipo de cidade. E cada um traz a sua mania, gastronomia, maneira de ser. Aqui é um lugar bom de se viver, tranquilo", declarou.

Sempre envolvido com política e educação, Goes já foi presidente da associação do bairro e é super conhecido na região. "Se perguntar meu nome na entrada, vão falar onde eu moro. E o pessoal gosta do meu trabalho, do meu boletim, dos meus livros. Estou dando luz para as pessoas, trazendo conhecimento, sobre atividades que as pessoas não sabem. Neste boletim mesmo falei sobre a praça, onde temos dois bustos, um do Duque de Caxias e outro do Olegário Maciel. Eu garanto que 99% não sabem o motivo disso", finalizou.

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