La Serena

Casal de brasileiros no Chile luta para voltar ao Brasil com carro de estimação

Apelidada de Mary Lou, picape fabricada em 1951 é o único bem da dupla que vendeu tudo o que tinha para dar a volta ao mundo no automóvel

Por Bruno Menezes
Publicado em 10 de abril de 2020 | 15:53
 
 
 
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O que parecia um sonho, virou um pesadelo. Desde o início da pandemia de coronavírus o geógrafo André de Rezende Jardim, 42, e a geóloga Julia Cristina Magalhães, 36, que largaram os empregos e venderam tudo o que tinham para viajar pelo mundo em uma picape Chevrolet 3100 ano 1951,reformada e apelidada carinhosamente de Mary Lou, vivem momentos de aflição fora do país.

O casal está  na cidade de La Serena, na região de Comquimbo, no Chile, cidade que faz divisa com a Argentina. Alguns voos do Chile ainda continuam decolando, mas a dupla não abre mão e nem pensa em abandonar Mary Lou no país para voltar ao Brasil, já que o automóvel tornou-se o único bem do casal.

Sem conseguir voltar para o Brasil pelas vias terrestres –  já que as fronteiras com a Argentina foram fechadas e esse seria o trajeto de retorno – ou seguir viagem, os dois vivem hoje em um apartamento alugado na cidade, com o automóvel na garagem e sem poder sair de casa por dois motivos: pela pandemia de coronavírus e pela hostilidade da população local contra estrangeiros. 

“Atualmente nosso carro está guardado na garagem do prédio. Já fomos hostilizados pela população local por sermos estrangeiros e ficamos o tempo todo dentro do apartamento. Estamos neste apartamento desde o dia 19 de março e até a presente data  saímos apenas duas vezes para ir ao supermercado. Sempre circulamos a pé, não circularmos com nosso carro justamente para não inflamar a população local que já está apavorada com a situação atual do país por conta do COVID-19 e sofrermos qualquer tipo de ameaça”, explica André Jardim.

Antes da pandemia, o carro sempre servia de espaço para que eles dormissem. A ideia era parar o veículo em pontos seguros e dormir para seguir  viagem no dia seguinte, como forma de economizar. Agora, eles precisam gastar todas as economias que ainda possuem para alugar o apartamento que moram. Com isso, a finalização da primeira etapa da viagem que consistia na chegada do casal à cidade de Prudhoe, no Alaska, nos Estados Unidos, em 2021 fica cada vez mais distante. 

“Ficamos em um apartamento, pois o governo chileno impôs toque de recolher entre as 22h da noite e às 6h da manhã. O exército está nas ruas e o país está muito restritivo para circulação de pessoas. Nosso carro é a nossa casa. Normalmente dormimos em postos de combustível, praças, ruas, camping’s, sempre utilizando a estrutura que temos em nosso carro para economizar nosso dinheiro e fazê-lo render para conseguirmos chegar ao Alaska. Agora, estamos sendo obrigados a ficar dentro de um apartamento fechado, gastar toda a nossa economia e infelizmente adiar nossa chegada ao Alaska que estava prevista para Junho de 2021 quando nosso carro, a Marylou, completaria 70 anos de idade”, explica André Jardim.

Consulado
Antes de se dirigirem à cidade de La Serena, o casal diz que chegou a procurar ajuda no Consulado do Brasil, na cidade de Santiago, capital do Chile, para tentar uma rota segura de retorno ao Brasil. No local, apesar da insistência, André Jardim conta que não conseguiram qualquer tipo de ajuda para poder retornar ao país com o veículo.

“Para o nosso espanto, os seguranças do Consulado não permitiram a nossa entrada, fomos barrados na porta do consulado e atendidos ali mesmo por uma senhora. Ciente da nossa situação, ela nos informou que não podia fazer nada, que isso seria problema nosso e que deveríamos resolver a questão do carro junto a Polícia Federal do Chile”, conta André.

Após o aceno negativo, já na cidade de La Serena, a 520 Km da capital do país, André e Júlia dizem manter conversas com o consulado brasileiro e que chegaram até a apresentar uma rota, traçada por eles, para que pudessem retornar ao Brasil com Mary Lou.

“Ainda estamos tentando negociações para conseguirmos passar pela Argentina e chegar a Uruguaiana, no Rio Grade do Sul através do Paso Los Libres. De onde nós estamos até Uruguaiana são 2.200km. Já traçamos uma rota, informamos os locais de parada para abastecimento de combustível e até iniciamos uma conversa com o Consulado brasileiro na Argentina relatando tudo isso e mesmo assim tivemos respostas negativas”, lamenta André. 

Sem o carro, não!
O casal também não abre mão de voltar ao Brasil sem o automóvel, a fiel companheira Mary Lou. O apego também não é para menos.  O carro foi reformado e levou cerca de dois anos para ser transformado em um veículo que se assemelha a um motorhome. A caçamba da picape possui uma estrutura em acrílico que abriga uma cozinha completa com fogão, pia de freezer. Há ainda um chuveiro externo, com sistema de aquecimento solar. A cama do casal fica na barraca de teto. 

“Não queremos correr o risco de perder o nosso carro caso ele fique no Chile e voltemos de avião. Já tivemos relatos de outros viajantes que tiveram seus veículos apreendidos e multados por conta da ilegalidade aqui no Chile. Nosso desejo é voltar com o nosso carro para o Brasil, pois é a nossa casa e é tudo o que temos neste momento”, revela André. 

O retorno
Mesmo que consigam voltar ao Brasil, André e Júlia ainda enfrentarão um outro problema. Ele é belo-horizontino e ela brasiliense e pelo fato dos pais estarem com idade avançada não poderiam voltar a morar com eles, afinal poderiam expô-los ao risco do coronavírus. Com isso, a única alternativa, já que venderam tudo o que tinham para fazer a viagem, seria que fossem abrigados em Brasília, pela irmã de Júlia. 

 “Não posso retornar ao Brasil e ficar na casa dos meus pais que tem 82 e 72 anos. Não posso ser recebido por meu irmão que tem filhos pequenos em casa. Júlia, minha esposa, não pode ficar na casa dos pais, pois também são grupo de risco. Somente as irmãs dela poderiam nos receber em Brasília”, diz o geógrafo.

Volta ao mundo
A viagem do casal teve início em agosto de 2019 e o objetivo seria dar a volta ao mundo abordo do carro que já pertenceu ao pai de André na década de 80. O roteiro incluía passar por diversas regiões das Américas do Sul, Central e do Norte, além da Europa, Ásia, África e  finalizando na Oceania com o apoio de barcos para o transporte do automóvel. A expectativa é de que todo o trajeto fosse completado em sete anos.

Em nota o Itamaraty informou que o transporte por terra desde o Chile até o Brasil está severamente prejudicado "pelas limitações de locomoção interna que foram impostas pelos governos da Bolívia e da Argentina". Diz ainda que "são decisões de governos estrangeiros que extrapolam os limites de ação do Consulado em Santiago".  No texto o Itamaraty também recomenda que os brasileiros entrem em contato com  o Grupo Especial de Crise para assuntos consulares e migratórios  (G-CON), cujo número para casos na América do Sul é +55 61 98260-0767.

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