EDUCAÇÃO

'Chuva' na sala e denúncia de dengue: estrutura de escolas de MG desafia ensino

Relatório do TCE-MG identificou que, de 34 escolas fiscalizadas, 70% tinha problemas na entrada e 62% nas salas de aula; governo de Minas investiu R$16 milhões nas 17 escolas estaduais citadas

Por Isabela Abalen
Publicado em 03 de abril de 2024 | 17:51
 
 
 
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Das dez escolas brasileiras com melhores resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), três estão em Minas Gerais, e nenhuma é pública. A discrepância de oportunidades costuma ser cobrada na dedicação dos professores e dos estudantes, mas a comunidade escolar e especialistas em educação apontam uma série de fatores, incluindo a infraestrutura das instituições de ensino. De acordo com o último relatório da “Operação Educação” do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), de 34 escolas (municipais e estaduais) fiscalizadas, 70% delas tinham problemas na entrada e 62% nas salas de aula. O governo de Minas, que conta com 3,4 mil escolas estaduais, informou que investiu quase R$16 milhões somente nas suas 17 instituições de ensino citadas pelo documento. Em meio à maior epidemia de dengue do Estado, o sucateamento dos prédios acaba provocando aumento de focos do mosquito. 

Uma das unidades que é constantemente alvo de denúncias é a Escola Estadual Governador Milton Campos, conhecida como Estadual Central, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Nessa terça-feira (2 de abril), um vazamento no telhado da instituição foi divulgado por estudantes. As calhas na cobertura do prédio não suportaram a sobrecarga de água da chuva e cederam, causando alagamento na sala de aula. O governo de Minas argumentou que o problema é resultado das fortes chuvas que atingiram a capital e não interrompeu a realização das atividades. Foi feita a limpeza do local e uma vistoria para avaliar as intervenções necessárias.

Na instituição, no entanto, a reclamação sobre o telhado não é nova. Segundo um professor, que preferiu não ser identificado, a direção da escola já havia solicitado o reparo. “Era óbvio que a estrutura da escola não resistiria a uma chuva como a de ontem (2). O Estadual Central precisa passar por reforma urgente. Há três meses tem sido solicitada a reforma do telhado, e nenhuma resposta chegou do governo de Minas”, denuncia. O Estado não respondeu sobre a demanda do professor, só informou que está em andamento a elaboração de “um projeto de restauração complementar no prédio, que é tombado pelo patrimônio histórico”, sem delimitar prazos de execução.

O professor teve dengue recentemente e acredita que se infectou porque a escola é foco da doença. Ele reclama que a unidade recebeu itens novos, mas que a estrutura continua negligenciada. “A escola tem cadeiras, bancos, lixeiras, tudo novinho, e o investimento em infraestrutura não é feito. Inclusive, tem partes da escola que estão inundadas, contendo água", denuncia.

Uma das alunas do Estadual Central, que também não quis ser identificada, enumera uma série de defeitos que lamenta terem se tornado rotina. “Não consigo me sentir segura, falta até extintor e mangueiras de incêndio. Só este ano, já ficamos sem água pelo menos umas seis vezes”, denuncia. O relatório do TCE-MG levantou que 88% das 34 escolas mineiras fiscalizadas tinham fornecimento regular de água.

Ela lamenta a situação do colégio e o esforço que tem que fazer para focar nas aulas. “Quando comparo com a realidade dos estudantes de escolas privadas, fica claro que eu tenho que fazer o dobro do esforço para conseguir focar e aprender o conteúdo de fato. É frustrante. Hoje mesmo (3 de abril) está muito calor e sem água”, desabafa. Em relação à falta de abastecimento de água na Escola Estadual Governador Milton Campos, as situações foram pontuais e já foram resolvidas pela atual gestão da escola.

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação (SEE), o relatório do TCE-MG selecionou e vistoriou um pequeno número de escolas com relação à totalidade. "Em abril de 2023, quando o TCE-MG publicou o relatório citado na matéria, a SEE desconhece os critérios utilizados para a seleção das 17 escolas da rede estadual de ensino que foram visitadas, onde foram investidos R$16 milhões para melhorias na infraestrutura", pontuou.

A pasta argumentou ainda que o próprio documento do TCE trazia uma "ressalva" acerca da limitação da metodologia utilizada, ao informar que, "devido ao desenho metodológico adotado (amostra por conveniência), o uso dos resultados deste trabalho limita-se à descrição das unidades escolares fiscalizadas, não permitindo a generalização para o nível estadual e nacional”

“Também é preciso ressaltar que nos últimos cinco anos da gestão atual, foram aplicados cerca de R$ 4,5 bilhões em melhorias na infraestrutura das escolas da rede estadual de ensino”, continua o governo. Dos investimentos, R$ 70 milhões foram destinados, em 2022 e 2023, para monitoramento e vigilância eletrônica, “visando garantir maior segurança à comunidade escolar e ao patrimônio público”, informou. A iniciativa tenta diminuir a porcentagem de instituições com inadequações aparentes na portaria.

Infraestrutura e ensino: qual a relação? 

Segundo a especialista em pedagogia e diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindi-UTE/MG), Marcelle Amador, o aprendizado é sempre afetado pelas barreiras de infraestrutura. “Como isso afeta o ensino? Não é preciso ir muito longe. Quando um aluno se distrai o tempo todo porque uma chuva forte está ameaçando a estrutura da escola, quanto ele não tem acesso a água, está em uma sala precária, ele enfrenta muito mais barreiras até a fixação do aprendizado do que quem tem conforto. Nós vemos professores e alunos se tornarem herois para contornar todas as adversidades e fazer educação. Eles se tornam excessão”, avalia. 

Amador reforça que os problemas de estrutura das instituições têm consequência até mesmo na saúde da comunidade escolar. “É uma desigualdade que aumentou nos últimos anos. A estrutura com falhas prejudica os alunos, os trabalhadores, os professores, todos. Além do índice de aprendizagem, a saúde também. É um período crítico de dengue, e temos escolas foco do mosquito? Uma escola? Isso é bastante sério. Jovem doente não estuda. Temos instituições que estão sendo deixadas de lado”, continua. 

De uma forma geral, o governo de Minas afirma ter destinado mais de R$ 150 milhões a todos os municípios do Estado no enfrentamento às doenças provocadas pelo mosquito Aedes aegypti, além de promover um Dia D contra arboviroses e a capacitação de equipes de saúde. Uma campanha de atualização da carteira de vacinação de crianças e jovens dentro das escolas está sendo planejada pelas secretarias de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) e de Estado de Educação (SEE), segundo informado pelo governo anteriormente.

Mãe denuncia focos de dengue em escola da Grande BH: 'alunos estão doentes'

A cabeleireira Jeniffer Alves, de 33, mãe de um aluno da escola João de Almeida, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH, denuncia o aumento da infecção por dengue em estudantes, professores e trabalhadores. Ela registrou fotos de acúmulo de água parada, entulho e mata aberta no entorno da instituição. O muro da escola desabou no início do ano e ainda não foi reerguido, tendo sido tomada uma medida improvisada com desnível de terra. É um dos casos que se assemelha a 70% das escolas com inadequações na entrada. 

Fotos mostram acúmulo de água parada e entulho nas áreas de convívio da escola
Fotos mostram acúmulo de água parada e entulho nas áreas de convívio da escola

“O professor do meu filho pegou dengue, e continuamos tendo notícias de alunos com dengue recorrentemente no grupo de mães. Com essas chuvas, vira foco do mosquito. Essa escola, infelizmente, é decadente. A estrutura é péssima, o entorno, cheio de mato, dá a impressão que qualquer um pode entrar”, reclama Jeniffer. 

Sobre a acusação, o Estado informa que a escola estadual João de Almeida está passando por obras de reformas por meio do Programa Mãos à Obra na Escola. “Para esta unidade, foram destinados quase R$875 mil para realizar obras de melhorias na infraestrutura do prédio escolar, como a reforma dos banheiros, cantinas, troca de pisos, pinturas, além da reconstrução de parte do muro”, garante. 

Já sobre o muro da instituição, o reparo está programado após o período de chuvas. “A Secretaria de Educação esclarece que, neste momento, estão em andamento as obras de reforma da parte interna da escola. Para reconstrução do muro, a empresa responsável pelas obras está aguardando passar o período de chuvas, para assim, ter condições de iniciar as obras. Entretanto, para evitar danos à unidade de ensino e dar mais segurança à comunidade escolar, o local foi fechado com tapumes, de forma provisória”. 

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