Centro de Valorização da Vida

Coronavírus e saúde mental: CVV é alternativa no isolamento

Voluntários atendem 24 horas pelo número 188 pessoas que desejam conversar sobre o que estão sentindo

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 26 de março de 2020 | 11:04
 
 
 
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“No meu plantão dessa terça-feira, em quatro horas eu fiz 21 atendimentos. Quatro eram sobre outro tema, mas 17 focavam na situação atual”, conta Ordália Soares, uma das voluntárias do Centro de Valorização da Vida (CVV), associação que recebe ligações de todo o Brasil para pessoas que desejam conversar sobre o que estão sentindo.

São 120 postos pelo país, concentrando uma média anual de 2 milhões de atendimentos, distribuídos entre 3.400 voluntários. Por enquanto, os organizadores não notam aumento na procura durante este período de distanciamento social imposto pela pandemia de coronavírus. Mas o isolamento tem sido uma constante nas conversas que conduzem.

A voluntária Norma de Oliveira detalha que os sentimentos relatados por quem liga permanecem os mesmos de antes, como solidão e angústia. Com um cenário de isolamento, contudo, ela diz que eles têm aflorado até nas pessoas em que permaneciam escondidos. “Quando estou lá fora, no dia a dia, essas emoções ficam misturadas ao trabalho, ao ônibus, ao carro… Em casa, são potencializadas e afloram com mais força. A solidão, agora, é coletiva”.

Em meio à ansiedade, surgem também as incertezas. O isolamento social não tem prazo para acabar, e uma crise econômica global já se anuncia ao final da pandemia. Nesse cenário, a insegurança torna-se uma palavra-chave nos atendimentos realizados pelo CVV e também nas consultas da psicóloga Paula Couceiro Figueiredo, que tem conduzido consultas online, especialmente com o público jovem. 

“Não sabemos quanto tempo ficaremos em isolamento ou em quais circunstâncias ele vai terminar. Os pacientes relatam um grande desconforto por não poderem fazer planos, não terem estabilidade no futuro a médio e a longo prazo”, exemplifica. 

Para Paula, não é um momento em que se possa exigir otimismo de ninguém, mas ele não deixa de ser uma ferramenta preciosa. “Acho muito difícil falar em manter uma postura otimista, porque penso se isso não desconsidera o tanto que está doendo e o quanto é difícil. Mas, neste momento, é importante, pelo menos, tentar. Pensar que isso é passageiro, que não é uma fase que se vai viver para sempre. É momento de elencar as dificuldades para resolvê-las de forma prática, quando a situação passar”. 

E completa: "Como disse o escritor nordestino Ariano Suassuna, o otimista é um tolo, mas o pessimista é um chato. O bom mesmo é ser um realista esperançoso". 

Expressar as emoções pode ser alívio contra isolamento

“Até maçã estraga se ficar guardada. Sentimento não dá mesmo para guardar”, reflete Norma Oliveira, voluntária do CVV. Dizer o que se sente é essencial, na perspectiva dela, e, não à toa, o CVV disponibiliza voluntários para conversarem pelo tempo que for preciso, sem tempo limite para cada atendimento. 

A psicóloga Paula Couceiro Figueiredo concorda que não é hora de disfarçar emoções. Alguns de seus pacientes, por exemplo, têm estabelecido uma rotina de chamadas de vídeo e ligações para amigos diariamente, além das consultas psicológicas. Ainda assim, ela diz, é importante lembrar que as conversas à distância são um paliativo, e que este momento sem contato físico lembra a importância do contato com o outro. 

Em alguns casos, segundo ela, a angústia é tanta que a pessoa não consegue sequer procurar ajuda dos amigos. Neste caso, ela aconselha recorrer a ajuda profissional à distância. “Atendi um homem que estava passando muito mal, foi indicado a um psiquiatra e está em uso de medicação agora. É preciso respeitar a capacidade de cada pessoa”.

Alguns de seus pacientes aproveitam o momento para colocar a leitura em dia e maratonar séries acumuladas para se distrair — mas essa não é a realidade para todos, explica. “No Instagram, há estímulos como ‘faça ioga, malhe na sala, aprenda com curso online’. Mas tem gente que não vai conseguir fazer isso, porque a ansiedade tem essa característica. O sujeito quer fazer mil coisas e, aí, vem um sentimento enorme de frustração. É preciso respeitar o que está ao alcance das pessoas”.

Convívio com família é desafio durante isolamento

“É um momento de muitos conflitos familiares, de ter que lidar com as diferenças. Há um problema seríssimo de violência doméstica, não só física, mas de agressões verbais, discussões e bate-boca”, pondera a psicóloga Paula Couceiro Figueiredo. Para alguns de seus pacientes que estão passando pela pandemia de coronavírus com os familiares em casa, a falta de privacidade tem sido uma questão. 

Ao mesmo tempo, o convívio ininterrupto com a família pode ser uma oportunidade de proximidade, nos casos em que existe essa abertura. “As coisas estão vindo à tona e ficando mais evidentes. Quando passo muito tempo com alguém, a tendência é conhecê-lo mais. Se houver abertura pacífica e respeitosa, é uma oportunidade de conversar. Mas é importante não entrar em embates ou conflitos que tornem o ambiente tóxico, respeitar nossos limites e saber até que ponto é possível avançar em uma relação”. 

“É o momento do Big Brother familiar, porque agora tenho que aprender a viver coletivamente. Isso cria novos sentimentos e novos movimentos, novas descobertas emocionais. Exceto por essa preocupação com o que vai acontecer com o país, que está geral, a pessoa descobre novas coisas dentro de casa, como a solidariedade”, finaliza Norma de Oliveira, voluntária do CVV. 

Saúde mental e coronavírus: como procurar ajuda

O Centro de Valorização da Vida atende, gratuitamente, 24 horas por dia, pelo telefone 188, por email e por chat (em horários restritos). Psicólogos também têm realizado atendimento online e gratuito durante a pandemia de coronavírus. 

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