Antes mesmo de completar a maioridade, Bárbara Correia, 28, já pagava por seus crimes atrás das grades. Depois de 12 anos na prisão, ela voltou para o convívio em sociedade de uma forma diferente do que sempre imaginou: com emprego de carteira assinada. Ela atua em uma empresa em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, que conta com 120 funcionários, sendo que 25% deles, ou seja, 30, são detentos.

Segundo o superintendente de Trabalho e Ensino da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), Felipe Simões, dos 73.948 presos em cumprimento de pena em Minas, 19 mil, cerca de 25%, trabalham em 391 empresas públicas ou privadas, dentro e fora das unidades prisionais do Estado.

Bárbara é conferente de qualidade de eventos e gerente do IPL – Indivíduo Privado de Liberdade – na LSPRO, uma das maiores empresas de eventos de Minas, responsável pela montagem de palcos e instalações dos maiores shows internacionais no país e de outros eventos. Lá, ela coordena um batalhão de homens.

Para ela, a oportunidade foi essencial na mudança não só de sua vida, mas dos rumos de toda a família. “Pago as contas da casa e a alimentação. A gente vive com a minha renda. Eu era muito julgada pela minha família e pela sociedade, por ser transgênero e por não trabalhar. Eu não teria escolha se eu não tivesse essa oportunidade que eu tive agora. Ou eu voltava para o mundo do crime, ou me prostituía”, disse Bárbara.

Com sede em Ribeirão das Neves, a LSPRO tem parceria com o sistema prisional mineiro, e seus colaboradores são detentos do regime semiaberto dos presídios Antônio Dutra Ladeira e Inspetor José Martinho Drumond, que ficam nas proximidades.

E até mesmo quem tinha dúvidas sobre trabalhar com um preso ou ex-detento já mudou de opinião. Gerente de almoxarifado da empresa, Rodney Araújo, 40, conta que no início ficaram receosos com a chegada dos presos. “Com o tempo, mostraram a capacidade que têm”, disse.

Aceitação. Bárbara também contou que a oportunidade foi essencial para mudança de rumos na vida. “Hoje sou uma pessoa completamente feliz. Sou uma transgênero, que não conseguia emprego por causa do preconceito. Hoje, estou em paz comigo mesma. Vivo do fruto do meu próprio trabalho”, reforça Bárbara, que sonha em voltar a estudar e fazer faculdade.

“Se todos os empresários dessem essa oportunidade e esse incentivo de ressocialização, a reincidência seria menor. O condenado vai pensar duas ou três vezes antes de voltar a cometer outros crimes”, reforça Bárbara, que consegue ajudar no sustento do pai, de 76 anos, de uma irmã e um sobrinho.

‘Sonho em fazer faculdade e lutar por ex-detentos’, diz ex-presa

Vaidosa, Bárbara Correia não abre mão do batom e das unhas pintadas no ambiente de trabalho. “O meu trabalho me incentiva a ser vaidosa. Hoje, sei que posso trabalhar e que no fim do mês eu posso tirar um dinheiro para arrumar meu cabelo, comprar roupa e sapato sem precisar enfrentar uma Afonso Pena ou uma Pedro II para me prostituir, sem precisar pegar um revólver e fazer um ato criminoso. Graças ao meu trabalho, eu não preciso me preocupar se o meu pai vai ficar sem comida, se vão cortar a luz ou a água, e aí me desesperar”, disse ela, que tem autorização da Justiça para viajar a trabalho.

“O meu sonho é fazer faculdade e lutar por ex-presidiários e transexuais que, muitas vezes, são forçados ao crime e à prostituição por falta de oportunidade”, frisa Bárbara. 
Como funciona a remuneração?

Salário. A base da remuneração dos presos é, em média, 3/4 do salário mínimo, valor que gira em torno de R$ 750.

Divisão. Desse total, 25% da remuneração vai para uma poupança, para que possam iniciar a vida fora do sistema prisional. Outros 25% voltam como ressarcimento para o Estado, valor que é usado para custear a estadia deles no sistema prisional. Os outros 50% do pagamento podem ser destinados às famílias.

Sem garantias. Não há vinculo trabalhista com a empresa, que tem como benefício pela admissão do detento a isenção dos encargos trabalhistas e sociais.

Incentivo fiscal é chamariz para empregar da cadeia

Responsabilidade social, proximidade de presídios e incentivos fiscais foram os principais motivos que levaram a LSPRO a aceitar 30 colaboradores do sistema prisional. Em pouco mais de um ano, 50 condenados já passaram pela empresa. Dois deles foram contratados depois que deixaram a prisão.

“A gente já teve alguns casos aqui de ex-presidiários que trabalharam conosco via CLT e deu muito certo”, disse a coordenadora da empresa, Alice Carvalho. A parceria rendeu à LSPRO o selo Resgate, do Ministério da Justiça, que certifica empresas que dão oportunidade a presidiários.

Um ex-detento, que passou pela empresa de eventos, abriu seu próprio negócio ao conseguir a liberdade. “Trabalhou com a gente por um tempo e aprendeu o ofício. Depois, ele pediu para sair e montou a sua própria empresa. Hoje, ele é nosso fornecedor, e a gente o contrata como freelancer no serviço de montagem de eventos. Ele tem evoluído cada vez mais. Daqui a alguns dias, será nosso grande concorrente”, acredita Alice, que diz desejar sorte a todos.

De acordo com Felipe Simões, as 391 empresas públicas e privadas parceiras oferecem trabalho aos presos em mais de cem segmentos. “A gente vai desde a indústria alimentícia, manufatura eletroeletrônica e automotiva. Grandes multinacionais os contratam”, disse o superintendente de trabalho da Seap.

Além dos benefícios e da isenção dos encargos trabalhistas e sociais para as empresas, segundo ele, o preso tem a oportunidade de sair do ócio e de um ambiente que, muitas vezes, é insalubre. “A cada três dias de trabalho, eles têm um dia a menos de pena”, ressaltou Simões, lembrando que algumas empresas montam unidades de trabalho nos presídios para presos do regime fechado.

Pela lei. O trabalho do preso no regime fechado e semiaberto não está sujeito ao regime da CLT. O empresário fica isento de encargos como férias, 13º e FGTS. Dependendo do piso salarial, a redução nos custos da mão de obra pode chegar a 50%.