Agora é lei. Escolas de ensino básico das redes pública e privada e também instituições de recreação infantil de todo o país estão obrigadas a capacitar professores e funcionários em noções básicas de primeiros socorros.
As unidades terão até o início de abril de 2019 para se adequarem às normas da Lei 13.722/2018, mais conhecida com Lei Lucas, em referência ao menino que morreu em setembro do ano passado, aos 10 anos, por engasgo em uma escola no interior paulista.
A norma é vista com bons olhos por pais, professores e instituições de ensino. No entanto, a falta de detalhes sobre a regulamentação gera dúvidas, o que pode adiar o cumprimento da lei.
A Lei Lucas foi sancionada pela Presidência da República no último dia 4. O texto determina que um curso de treinamento em primeiros socorros deve ser ofertado anualmente tanto para capacitação quanto para reciclagem de professores e funcionários dos estabelecimentos de ensino infantil.
Além disso, pela nova norma, as escolas deverão ter kits com materiais para atendimento emergencial e precisarão afixar, em local visível, o certificado que comprove o treinamento dos profissionais na unidade. O não cumprimento das normas pode acarretar em notificação, multa e até cassação do alvará de funcionamento da instituição privada ou responsabilização patrimonial em caso de creche ou escola pública.
Na avaliação de profissionais da educação, a lei é positiva ao determinar o treinamento de quem lida diariamente com crianças. Mas a falta de regulamentação ainda gera dúvidas. “A gente precisa saber se serão todos os profissionais que deverão passar pela capacitação, qual a periodicidade desses treinamentos e quais profissionais estarão disponíveis para ministrar esses cursos”, aponta a presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis.
Mesmo entre os órgãos municipais e estaduais, ainda não há clareza quanto aos critérios para a execução da Lei. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou que as determinações previstas na Lei ainda serão discutidas internamente dentro do prazo de 180 dias previstos para o cumprimento. O órgão ressaltou que as escolas estaduais têm autonomia para desenvolver projetos ligados ao tema.
Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Educação (SMED) ainda alinha com a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) como os órgãos vão se adequar.
Treinamento. Na região metropolitana, uma parceria da Secretaria de Estado de Educação com o Corpo de Bombeiros capacitou 1.100 auxiliares de serviços de educação básica para prevenção de acidentes.
Bombeiros treinam leigos gratuitamente
O Corpo de Bombeiros oferece capacitação gratuita para leigos que querem aprender técnicas de reanimação, imobilização e estabilização de vítimas em casos de traumas e emergências clínicas. “Esse treinamento faz muita diferença como primeiro atendimento até a chegada do socorro”, diz o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corporação. Ele lembra, no entanto, que os primeiros socorros não substituem o atendimento de uma equipe médica.
Para o médico e diretor do Centro de Treinamento em Urgência e Emergência (Curem), que dá treinamentos para profissionais de várias áreas e também faz capacitação individual, Hélcio Levindo Coelho Neto, dominar as técnicas de primeiros socorros deveria ser uma regra para qualquer cidadão: “Isso extrapola a questão da segurança no ambiente escolar. Não há nada mais gratificante do que salvar uma vida”.
Neto destaca como essencial o treinamento para socorrer a vítima de uma parada cardiorrespiratória: “Se não se atua de imediato, a probabilidade de alguém voltar a viver diminui de 7% a 10% por minuto”.
Família inspirou criação da nova regra
A sanção da lei trouxe alívio à família do menino Lucas Begalli Zamora de Souza, que originou o projeto. O garoto comia um cachorro-quente dentro de uma instituição de Campinas (SP) quando se engasgou. Não foram realizadas as manobras corretas, e o engasgo culminou numa parada cardiorrespiratória. Lucas não sobreviveu. “Não me conformava que meu sobrinho havia morrido por um motivo que eu considerava tão bobo. Como sou profissional da saúde, acreditava que todo mundo saberia como agir em caso de engasgo, mas percebi que não era bem assim”, conta Andréa Zamora Bettiati, tia de Lucas.
Andréa é uma das pessoas que batalharam pela aprovação da Lei Lucas e comemora a sanção do texto. “As crianças não estão seguras nas escolas como pensamos. Não é apenas o engasgo. Vários outros acidentes podem ocorrer no ambiente escolar, e as escolas têm capacidade de passar por treinamentos, seja dos bombeiros ou de outras instituições”, acredita.
A tia, que é instrumentadora cirúrgica, ressalta que a publicação da lei é apenas o primeiro passo: “A gente vai trabalhar para garantir que haja fiscalização, que as escolas tenham um selo que garanta a presença de profissionais treinados. Não ajudamos a criar uma lei para ser mais uma”.
Para a professora e mãe de duas meninas Paula Cristiane Bento, 34, a legislação traz segurança para pais e educadores. “Fico muito mais segura sabendo que, caso aconteça um imprevisto com minhas filhas e meus alunos, a escola tem profissionais preparados para prestar socorro”.