Investigação

Espelho-d'água da Lapinha da Serra está secando, e MPF investiga causa

Reservatório artificial de água está com nível extremamente baixo, e possível atividade anormal de usina hidrelétrica está sendo apurada

Por Pedro Nascimento
Publicado em 20 de julho de 2021 | 07:42
 
 
 
normal

O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para investigar se a diminuição abrupta do nível da água do lago da represa de Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, na região Central de Minas, está relacionada ao funcionamento da usina hidrelétrica Coronel Américo Teixeira.

A situação foi denunciada pela Associação Comercial Lapinha da Serra. Segundo os comerciantes, a seca do lago que compõe a paisagem e acabou se tornando destino turístico na região está acima da normal observada em outros períodos de estiagem. “Estamos muito preocupados com o rebaixamento do espelho-d’água da represa. Em 2019 foi uma tragédia, a usina usou todo o manancial de água e deixou os peixes morrendo. Agora, a cada dia eu percebo mais ou menos 2 m a 3 m abaixo. Já tem partes que estão ficando completamente secas. Nesse ritmo, em um mês, o lago estará seco”, teme Teuler Reis, secretário da associação.

Dono de uma pousada na região, Teuler diz que a situação tem prejudicado não só a natureza, mas também a economia em Lapinha da Serra. “Além do impacto na natureza, nosso temor é o prejuízo para o setor do turismo, pois as pessoas vêm aqui em busca da represa, e, sem isso, elas deixam de vir. Toda a comunidade vive em torno do turismo, e tem o agravante que ficamos seis meses fechados por conta da pandemia”, lamenta.

A percepção do empresário não é isolada. Marcelo Tamietti, que também possui uma pousada próximo ao lago formado pela represa, afirmou estar impressionado com o esvaziamento do reservatório neste ano. “É normal de a lagoa baixar, especialmente nesta época do ano, mas agora ela secou como eu nunca tinha visto antes”, pontua Tamietti, que empreende no distrito há 26 anos. Segundo ele, há dois anos, o lago secou a ponto de as pessoas conseguirem andar no meio dele e, agora, a situação estaria ainda pior. “O mais triste é a mortandade de peixes”, desabafa.

LICENÇA AMBIENTAL

Vice-presidente da associação, o advogado Bernardo Nacif Chequer foi o responsável por acionar o MPF para que a situação seja investigada. Segundo Chequer, a licença ambiental da Gênesis, empresa responsável pela hidrelétrica, seria irregular e não teria levado em conta a situação atual do lago.

“Esse processo de licenciamento ambiental, feito em 2017 e que vale por dez anos, foi realizado sem nenhum critério técnico. Ele é irregular. Pelo que eu apresentei ao MPF, existia um direito adquirido de a usina operar o espelho-d’água, mas ele se perdeu, pois nasceu um direito coletivo da manutenção do turismo, e esse é o único direito que faz decair um direito adquirido”, alega Chequer.

Oficialmente, a Gênesis Energia, empresa que administra a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Coronel Américo Teixeira, afirmou à reportagem de O TEMPO que tem feito manutenções na barragem e que, por isso, houve o rebaixamento do nível da água. No entanto, a versão é contestada pelos comerciantes. Eles acreditam que, na verdade, a empresa acelerou a produção de energia, que é vendida à Cemig, uma vez que as duas turbinas da usina estariam trabalhando de forma mais intensa.

Secretaria prepara relatório

Por nota, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) informou ontem à reportagem que irá fazer o levantamento de informações das condicionantes e da outorga da usina para verificar a regularidade de sua operação. O envio de relatório consolidado ao MPF está previsto para ocorrer em agosto.

Segundo a Semad, a secretaria fiscaliza a operação da PCH desde o licenciamento ambiental de dez anos, emitido em 2017. De lá pra cá, foram realizadas ao menos três fiscalizações na usina – uma delas resultou em auto de infração pelo cumprimento de condicionante ambiental fora do prazo.

Prefeitura também questionou empresa, resposta não convenceu

A Prefeitura de Santana do Riacho afirmou que tem observado de perto a questão do rebaixamento acelerado do lago da represa e disse que não descarta ingressar com ações nos Ministérios Públicos – estadual e federal – para garantir a preservação da área.

“Dentro das medidas que estamos tomando, estamos aumentando a fiscalização da área de atuação da usina contra qualquer anormalidade e estamos também oficializando os MPs, juntamente com os ofícios que nós encaminhamos para empresa e não estamos contentes com as respostas que eles nos passaram”, afirmou o prefeito Fernando Burgarelli (DEM).

Em maio deste ano, a prefeitura chegou a oficializar um pedido de esclarecimento para a Gênesis Energia. A resposta veio no fim de julho, mas não agradou ao Executivo municipal. À época, a empresa alegou que o rebaixamento do lago é fruto de um movimento natural, devido ao tempo de estiagem, e que a única alteração na rotina tem sido a manutenção da estrutura, atendendo a um pedido da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O ofício em resposta à prefeitura foi assinado por Rômulo Lessa, empresário do setor de transportes e que, recentemente, foi acusado de participar de um esquema de vacinação contra a Covid-19 na garagem da empresa Saritur, em Belo Horizonte. O caso segue sendo investigado pela Polícia Federal. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!