Minas

Estrutura e mitos barram doações de órgãos

Número de doadores no Estado caiu 14%, e mais da metade das famílias se recusa a permitir ação; falta de informação pesa na decisão

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 30 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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O número de doadores de órgãos e tecidos em Minas Gerais caiu 14% nos oito primeiros meses de 2018 comparando-se com o mesmo período de 2017, passando de 163 pessoas para 140. A quantidade de “benfeitores” poderia ser pelo menos o dobro, segundo o diretor geral do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado Júnior. Falta de estrutura e de notificação das mortes a tempo da cirurgia e até mitos sobre o processo são algumas barreiras para avanço dos transplantes.

“Hoje, em Minas, mais de 50% das famílias se recusam a fazer a doação”, afirma Cançado. Para ele, a falta de informação tem um peso grande sobre essa decisão familiar. A dúvida mais comum a várias pessoas que não permitem a doação é sobre a morte encefálica. “Ela é a própria morte. Não é como o coma, em que há possibilidade de melhora. As pessoas temem a doação de órgãos porque têm a esperança de retorno do paciente, o que não ocorre”, explica.

No Brasil, os familiares são consultados sobre a doação apenas após a morte cerebral. O problema é que a agilidade na decisão e na cirurgia de retirada dos órgãos e dos tecidos é fundamental para o sucesso no procedimento. Cada parte do corpo tem uma “validade” após a morte.

O coração, por exemplo, precisa ser retirado antes da parada cardíaca e tem que ser transplantado em até seis horas. É aí que entra outro complicador: a falta de estrutura em hospitais no interior. Nem todas as unidades de saúde têm equipamentos e profissionais capazes para atestar a morte encefálica, o que inviabiliza a doação, segundo o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Paulo Pêgo Fernandes.

Isso acontece para tristeza de pessoas como o jornalista Matheus Cruz Labóissiere, 31. Ele aguarda um transplante de rins há quase dez anos. Enquanto não consegue, adéqua a vida em função do tratamento. “Como tenho que fazer hemodiálise e mantenho uma dieta rígida, adapto meus horários de trabalho, não viajo, não almoço fora”, conta.

A longa espera impede até que ele faça planos para o futuro. “Eu nem tive tempo de ter sonhos. Não faço planos de longo prazo porque não sei como vai estar minha vida. Prefiro nem pensar na minha realidade de estar vivo por causa de uma máquina em um tratamento agressivo que também me tira um pouco de vida”, lamenta.

Ação. No último dia 27, data em que se celebra o Dia Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos, o Ministério da Saúde lançou a campanha Espalhe Amor, Doe Órgãos para estimular as pessoas.

Referência. Em nota, o Ministério da Saúde informou que o país é referência mundial na área de transplantes. Atualmente, 96% dos procedimentos de todo o país são financiados pelo Sistema Único de Saúde.

Crescimento. No primeiro semestre de 2018, houve aumento de 7% no número de doadores no país, comparando-se com o mesmo período de 2017, passando de 1.653 para 1.765.

Transplantes. O número de transplantes em Minas Gerais caiu 7,5%, passando de 1.511 órgãos de janeiro a agosto de 2017 para 1.398 no mesmo período de 2018.

Minientrevista

Omar Lopes Cançado Júnior
Diretor geral do MG Transplantes


Quais os desafios para ampliar a doação de órgãos em Minas?

Temos alguns gargalos na doação de órgãos. O principal deles é a recusa da família no momento em que oferecemos a oportunidade. Hoje, em Minas Gerais, mais de 50% das famílias se recusam a fazer a doação. Outro gargalo está ligado às condições do próprio Estado. Nas cidades localizadas em regiões mais pobres, como o Norte e o Vale do Jequitinhonha, não temos condições de fazer o diagnóstico de morte encefálica.
 
Então, uma melhora desse quadro também passaria por mais investimentos na rede de saúde?

Sim. O diagnóstico de morte encefálica, necessário para que possamos iniciar o processo de doação, é complexo. Demanda profissionais e exames complementares. Em algumas regiões do Estado, nós simplesmente não temos isso.

Como é a definição dos doadores?

Os hospitais nos comunicam as condições dos pacientes e nós vamos acompanhando. Quando ocorre a morte encefálica, nós conversamos com a família para saber se há a intenção de doar. Mas nem sempre somos notificados pelos hospitais e perdemos potenciais doadores. 

O que tem sido feito para mudar essa situação?

Até o final do ano, vamos fazer cursos de capacitação de médicos para diagnóstico de morte encefálica. Além disso, vamos treinar profissionais, como enfermeiros e assistentes sociais, para darem más notícias da melhor forma. Quanto maior o acolhimento, maiores as chances de a família aceitar a doação de órgãos.

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