Transporte

Explosão de apps eleva a vulnerabilidade dos informais

Jornadas exaustivas e baixa remuneração fazem parte da rotina de entregadores e motoristas de aplicativo

Por Pedro Nascimento
Publicado em 25 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Facilidade na contratação, aumento do desemprego e promessa de ganhos e horários flexíveis. Esses fatores levaram a uma explosão no número de entregadores e motoristas de aplicativos no Brasil. Em 2016, quando esses serviços começaram a alcançar o grande público, eram 884 mil trabalhadores no setor de transporte de passageiros e entrega. Neste ano, são aproximadamente 1,4 milhão, um aumento de 58,3%, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 

Só no setor de entregas, como de delivery, o crescimento foi ainda maior (826,6%): de 30 mil profissionais em 2016 para 278 mil neste ano em todo o país, de acordo com o mesmo instituto. No estudo, os pesquisadores do Ipea destacam que a consequência já sentida por esse aumento foi a redução da renda dessas pessoas e um aumento da vulnerabilidade social, já que esses trabalhadores não possuem seguro-desemprego, auxílio-doença ou outro tipo de contribuição previdenciária paga pelo empregador.

Para os entregadores e motoristas ouvidos pela reportagem, a relação de trabalho nesse mercado se tornou algo equivalente à escravidão. Os reflexos dessa conturbada relação já são sentidos por quem utiliza os serviços, seja por causa do pedido que não chega nunca ou das inúmeras viagens canceladas em uma mesma solicitação.

De acordo com o presidente da Associação dos Prestadores de Serviço que Utilizam Plataformas Web e Aplicativos de Economia Compartilhada (Appec), Warley Leite, quem não se submete a jornadas de trabalho exaustivas não consegue mais ganhar dinheiro no ramo, como era no início. “O motorista que trabalha em média 12 horas ou 13 horas por dia consegue fazer uns R$ 250 na jornada, mas, com a gasolina e outros gastos, o que sobra é no máximo R$ 100”, detalha.

Segundo ele, os aplicativos têm um layout que mostra o dinheiro entrando e quanto o trabalhador vai ganhar se fizer mais viagens, como uma “máquina caça-níquel”. “O motorista se empolga, mas, quando precisa parar no posto para abastecer ou na hora de pagar o IPVA, ele vê a realidade. Esse pessoal que passa metade do dia trabalhando está conseguindo fazer, com muito custo, um salário mínimo no mês”, descreve.

Carlos Roberto Junior, 31, é motoboy e, em 24 horas por dia, consegue encaixar uma rotina de três empregos – todos eles com entregas e nenhum com carteira assinada. “É uma rotina muito puxada. A gente sobe na moto e não tem hora pra largar. A meta é fazer pelo menos uns R$ 100, mas é impossível”, diz Juninho, como é conhecido. “Você vai a um restaurante pegar a entrega, e eles não te deixam nem beber água. Tem lugar que não deixa a gente nem entrar. E isso é pouco comparado à sacanagem que os aplicativos fazem”, descreve o motoboy.

Profissionais se sentem aprisionados

Motoristas e entregadores ouvidos pela reportagem relatam condições extremas de trabalho. Um deles é Célio Lúcio, 38, que trabalha em média 13 horas por dia como motoboy motorista da Uber. “São muitas horas sentado, dirigindo. Não dá pra bancar o consumo do carro trabalhando pouco”, relata.

Warley Leite, presidente da Appec, diz que muitos profissionais estão presos a esse trabalho. “Quando o cara tem que pagar o aluguel de um carro e ainda levar comida para dentro de casa, ele não consegue parar de dirigir depois de 12 horas de trabalho? E as plataformas, sabendo disso, o bombardeiam com mensagens falando para o motorista fazer mais corridas”, comenta.

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