Sob a alegação de ajudar no combate à pandemia do novo coronavírus, a Andrade Gutierrez (AG) e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) anunciaram que vão disponibilizar quatro andares de internação na unidade Mater Dei Betim-Contagem para pacientes com Covid-19. Sem informar qual será o valor destinado e em quanto tempo isso vai acontecer, a federação e a empreiteira disseram apenas que pretendem criar um fundo financeiro para esse fim.
Porém, a “boa ação” da Andrade Gutierrez, construtora tida como um dos pilares do petrolão, o maior caso de corrupção que o país já teve, é alvo de críticas por parte de autoridades, que enxergam na iniciativa apenas um ato de oportunismo.
“Se quisessem mesmo fazer o bem, os diretores dessa empresa tratariam de devolver o dinheiro que receberam em ações criminosas e através de dívidas duvidosas que foram assumidas por prefeituras e governos de Minas e de outros Estados”, dispara o procurador geral do município de Betim, Bruno Cypriano.
Somente em Belo Horizonte, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investiga o recebimento por parte da Andrade Gutierrez de R$ 680 milhões de forma irregular. Com as atualizações monetárias, o valor subiria a R$ 1,7 bilhão. Essa cobrança vem de precatórios assumidos de forma suspeita por prefeitos que administraram a capital entre a década de 80 e os anos 2000. A CPI investiga a participação da empresa e de políticos em esquemas sofisticados de desvios de dinheiro dos cofres municipais.
Outro caso ocorre em Betim. A Justiça já concedeu ao município da região metropolitana a suspensão de outros R$ 480 milhões que a Andrade Gutierrez cobra da prefeitura. Além dessa dívida, considerada injustificada pela Procuradoria Geral do Município, a cidade requisita outros valores a título de indenização por obras que teriam sido superfaturadas.
“Essa empresa, que esteve profundamente envolvida com os maiores casos de corrupção do país, quer mostrar que é solidária à população. Se quisesse ser solidária mesmo, essa construtora anularia as cobranças que faz contra cidades e Estados falidos e que, agora, vão precisar muito do dinheiro para tratar de seus doentes. O que espanta é a Fiemg ser usada por charlatões fantasiados de empresários para tentar tirar algum favorecimento em prol de sua imagem, tão desgastada por casos de corrupções e apropriações indébitas do erário. Isso é querer capitalizar em cima da tragédia que nos assola”, completa Cypriano.
Mistério
A Andrade Gutierrez seria a responsável por realizar os procedimentos de aquisição e logística até a entrega no hospital. Serão 242 leitos, sendo 180 de CTI e 62 de internação. Entretanto, em nenhum momento a Fiemg e a construtora anunciaram qual o valor dessa operação e se a empreiteira faria isso gratuitamente, sem receber nada de entes governamentais ou públicos.
Por meio de nota enviada para a imprensa, o presidente da Andrade Gutierrez, Ricardo Sena, que também é investigado pela Justiça, afirma que “é preciso que todos se unam nesse momento, em prol de combatermos o vírus e salvarmos o que é o mais urgente e prioritário, que são as vidas”. Procurado pela reportagem, Sena não retornou as ligações. A assessoria da Andrade Gutierrez informou que não iria se posicionar.
Já a Fiemg declarou, também por meio de nota, que está unindo forças com o governo estadual e com o hospital. “A campanha é aberta a todas as indústrias, empresas e entidades mineiras para arrecadar os R$ 60 milhões necessários para a ação”, informou a entidade, que declarou ainda que o governo do Estado vai disponibilizar as equipes assistenciais e de apoio.
A reportagem procurou o Mater Dei, mas não houve um posicionamento até o fechamento desta edição.