A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) publicou, nesta terça-feira (28), edital que prevê a privatização da gestão do Hospital Regional João Penido (HRJP), em Juiz de Fora, na Zona da Mata, por meio de contrato com uma Organização Social (OS). O movimento, que já foi tentado anteriormente pela gestão de Romeu Zema (Novo), contraria entidades representativas dos trabalhadores da saúde e é tido, por elas, como uma forma de precarização laboral. O governo, por sua vez, afirma que há maior autonomia na gestão.
“As organizações sociais têm maior autonomia para conduzir, em menor prazo, a contratação de serviços e aquisição de equipamentos e insumos, possibilitando a celeridade dos processos administrativos e ampliação da assistência. A redução de burocracias nesses processos gera mais eficiência, proporcionando melhorias para o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS)”, alega a Fhemig em nota à imprensa.
O secretário de Estado da Saúde da gestão de Romeu Zema (Novo), Fábio Baccheretti, afirmou que parcerias com o setor privado para gestão de ambientes públicos de saúde “fazem parte de um projeto de governo”.
“No caso da Saúde, a descentralização da gestão tem como objetivo principal ampliar a oferta assistencial. É importante destacar que na parceria com a OS o patrimônio permanece sendo público, assim como a prestação do serviço, que continuará 100% SUS”, defende. Conforme a Fhemig, o HRJP é “referência em maternidade de alto risco” e atende cerca de 1,7 milhão de pessoas de 94 município da macrorregião de saúde Sudeste de Minas Gerais.
Medidas parecidas já foram tentadas em Minas
Não é a primeira vez que o governo do Estado tenta implementar medidas como essa. Um edital parecido, referente ao Hospital Regional Antônio Dias (HRAD), em Patos de Minas, no Alto Paranaíba, no fim de março de 2020, também foi publicado. À época, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou uma ação civil pública contra o edital. Entidades como o Sindicado Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindi-Saúde), a Associação Sindical dos Trabalhadores em Hospitais de Minas Gerais (Asthemg) e a Centra Única dos Trabalhadores (CUT) se posicionaram em desfavor.
O contrato firmado com a iniciativa privada, argumenta a fundação, permitiria “reabertura do pronto atendimento, uma solicitação antiga da população; aumento das internações hospitalares em até 105%, permitindo maior absorção das demandas da macrorregião; abertura de unidade de atendimento de queimados de média complexidade; habilitação dos novos leitos de UTI; habilitação dos novos leitos de saúde mental; ampliação do atendimento oferecido pelo centro de reabilitação (CER), incluindo deficiências físicas e visuais; oferta de acompanhamento a pacientes pediátricos traqueostomizados”, dentre outras medidas.
Assim como no edital proposto para o HRAD em 2020, a publicação ressalta que, devido à legislação do Estado, não é necessário que haja qualificação anterior da entidade que for selecionada como Organização Social. Contudo, “a organização vencedora deve ser qualificada tempestivamente, antes da celebração da parceria. A qualificação como OS é, inclusive, uma etapa prevista no cronograma do processo de seleção pública”, ressalta o texto. A entidade precisa comprovar experiência em “gestão na área da saúde” por, no mínimo, dois dos últimos cinco anos, conforme o edital.
Governo tenta minimizar preocupação de sindicatos
Documentos internos que envolvem a concepção e divulgação do edital, obtidos por O TEMPO, mostram que há um esforço do governo do Estado de “minimizar” as preocupações elencadas pelos sindicatos, em especial no trato com os servidores afetados pela possível mudança de gestão.
No texto divulgado pela Fhemig, há um trecho que especificamente adereçada os funcionários públicos. “A gestão por OS não representa privatização da unidade hospitalar. A responsabilidade direta pela administração da unidade fica a cargo da organização, mas o patrimônio e o serviço de saúde continuam sendo públicos, 100% SUS”, pontua.
“É importante esclarecer que o servidor efetivo não será exonerado e não perderá nenhum dos direitos e benefícios que hoje possui. Além disso, poderá optar ou não pela cessão especial à OS”, diz a presidente da Fhemig, Renata Dias, no texto.
“O servidor que não optar pela cessão será remanejado conforme interesse público e determinações da Lei nº 869/1952, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Minas Gerais”, conclui.
Apesar disso, representantes dos trabalhadores continuam se opondo à medida. Duas razões principais são levantadas pelos sindicatos e associações – há um histórico, no Brasil, de queda na qualidade do serviço público oferecido e precarização do trabalho.
Diretor da Asthemg, Carlos Martins afirma ser “radicalmente contra de entregar a gestão dos hospitais públicos para as OS”. “No primeiro ano de governo, houve uma tentativa de implementar em vários hospitais da rede Fhemig. À época, conseguimos fazer várias discussões tanto nas Câmaras municipais como na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Conseguimos criar uma movimentação contrária, houve uma audiência pública. Todos foram contra. Achávamos, até então, que o governo havia recuado”, pontua.
Martins defende que, desta vez, o governo retomou a proposta “de forma mais atrevida”. Ele alega que não houve discussão com os usuários do sistema de saúde, ou com trabalhadores. Nessa segunda-feira (27), algumas pessoas que trabalham no hospital participaram de uma reunião na qual foram notificadas das intenções de publicar o edital – que, conforme o diretor, foi o momento quando a categoria ficou sabendo que ele estava sendo aventado.
“Agora, no último ano do governo, retornam com essa proposta, de uma forma mais ‘atrevida’, porque não faz nenhuma discussão nem com os usuários, nem com os trabalhadores, já chegam publicando o edital. Vimos esse movimento com muita preocupação. Primeiro, mesmo que houvesse todas as garantias e vantagens para os trabalhadores, nós pensamos na assistência, no serviço público. Isso, para a população, será prejudicado. O que vai ocorrer é um administrador privado que vai ter uma verba restrita para efetivar o lucro. Não existe alguém que vai pegar todo o ônus do serviço de saúde e fazer de bom grado, e tirar dinheiro do próprio bolso”, argumenta.
“Em relação ao direito dos trabalhadores, não é verdade [que não haverá perdas]. Não vão demitir porque são funcionários públicos, que têm estabilidade, mas existem algumas legislações próprias que, a partir do momento a OS assume, eles não vão receber. Alguns abonos são específicos para a Fhemig, e a OS não terá essa verba. Haverá, sim, perda para os servidores. Isso sem falar do próprio gerenciamento. O servidor receberá pelo estado, mas será gerenciado, carga horária, horário de trabalho, pela OS, de outro ator. Um patrão paga, e outro manda. A OS poderá contratar funcionários celetistas, com o salário que ela definir, e haverá diferenciação de salário para as mesmas funções, por exemplo”, conclui.
Associação deve acionar MPMG
Martins afirmou que, no primeiro momento, as ações da categoria serão uma assembleia presencial no hospital com os funcionários afetados. A ideia, diz, é falar com os trabalhadores sobre o processo. Isso deve ocorrer, segundo ele, na primeira quinzena de janeiro. “Depois, vamos começar com ações de resistência prática. Vamos envolver a ALMG e o MPMG e a comunidade local de Juiz de Fora”, completa.