Contra a BHP

Justiça inglesa começa a julgar ação de R$ 33 bi pelo desastre da Samarco

Corte no Reino Unido vai ouvir atingidos e definir se processo contra a ex-controladora da mineradora pode seguir no país; mais de 200 mil pessoas, 25 prefeituras e uma comunidade indígena pedem indenizações pelo desastre

Por Lucas Morais
Publicado em 22 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Há quase cinco anos, o maior desastre ambiental do país soterrava vidas, destruía distritos inteiros e carregava lama por mais de 600 km ao longo do Rio Doce. Enquanto nenhuma casa até hoje está de pé nos reassentamentos e os responsáveis se beneficiam da lentidão da Justiça brasileira, os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão têm de volta às esperanças pelo fim da impunidade: uma ação coletiva começa a ser julgada nesta quarta-feira (22) na Corte do Reino Unido.

Nesse primeiro momento, os magistrados de Manchester, na Inglaterra, vão definir se o pedido de reparação pode ser julgado pelo tribunal do país – a expectativa é que as discussões, que se iniciam às 10h30 (horário de Londres), durem dois meses. Responsável pelo colapso na estrutura que deixou 19 mortos e milhares de pessoas desabrigadas em novembro de 2015, a Samarco não é alvo do processo, mas uma das suas controladoras na época: a anglo-australiana BHP, que tem sede no país inglês e, por isso, responde judicialmente à ação.

O processo é movido por mais de 200 mil pessoas atingidas, além de 25 prefeituras municipais de Minas e do Espírito Santo, 530 empresas, a Arquidiocese de Mariana e membros da comunidade indígena Krenak, que viu o sustento tirado do leito do rio minguar após o desastre. Ao todo, o pedido de indenização é de quase R$ 33 bilhões – número que é dez vezes superior a tudo que foi pago até hoje pela Fundação Renova em ressarcimentos e auxílios emergenciais, que somam R$ 2,51 bilhões.

Todos são representados pelo escritório de advocacia internacional PGMBM, que argumenta que a BHP ignorou avisos de especialistas sobre a capacidade da barragem, responsável por liberar o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas de resíduos tóxicos no rio, além de ser a co-proprietária da mineradora Samarco, junto com a Vale, e ter provocado o maior desastre ambiental da história do Brasil.

Sócio-gerente do escritório, Tom Goodhead enfatiza que, apesar do alcance no papel da legislação ambiental brasileira, os responsáveis pelo desastre foram poupados pelo sistema judicial. "Este caso está buscando oferecer um pouco de justiça para o impacto imediato e de longo prazo deste desastre nas vidas de milhares de pessoas que foram afetadas", declarou em nota. Caso o processo seja aceito no Reino Unido, será a primeira vez que uma catástrofe ambiental brasileira será julgada pelos ingleses.

Sem reparação

Na semana que vem, o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (Solidariedade), que já está na Inglaterra para fazer a quarentena obrigatória por conta do coronavírus, será ouvido pelos juízes ingleses em uma das audiências. Representante dos municípios afetados pela lama da Samarco, o político adianta que só a cidade mineira pode receber uma indenização de R$ 1,2 bilhão pelo desastre, caso o processo siga no país. Duarte, que também era o chefe do Executivo municipal em 2015, lembra que a cidade nunca recebeu nenhuma compensação financeira pelo rompimento.

"Nem Paracatu e Bento Rodrigues eles conseguiram reconstruir. A cidade não recebeu nada do que é seu por direito, já foram discutidos milhares de projetos, mas nada é colocado em prática. Nesses cinco anos já perdemos R$ 300 milhões em impostos, o desemprego chegou a 26% e nada ocorreu, como foi em Brumadinho", compara. 

O membro da comissão dos atingidos de Bento Rodrigues, Cristiano Sales, 38, também faz parte do processo. Motorista, ele vive há quase cinco anos em uma casa alugada pela Fundação Renova em Mariana e, apesar da entidade ter oferecido R$ 100 mil por danos morais, não considerou o valor justo. "Perdemos tudo que tínhamos, meus pais hoje não podem mais cuidar das plantas, da horta que tanto gostavam. Dinheiro nenhum paga isso, mas é preciso uma indenização digna. Esse processo trouxe de volta um pouco de esperança", frisa.

Outro lado

Em nota, a BHP declarou que os pedidos realizados no Reino Unido "duplicam questões que são ou foram objeto de procedimentos legais pré-existentes no Brasil" e que já seriam atendidos pela Renova. "A BHP reafirma sua posição de que a ação não compete aos tribunais britânicos. Para a BHP, a Justiça brasileira e a Fundação Renova estão em melhor posição para atender aos pedidos que surgem sobre os eventos que ocorreram no Brasil", declara.

Samarco e Vale, que não são citadas no processo, preferiram não se manifestar sobre o assunto. Já a Renova declarou que até 31 de maio investiu quase R$ 9 bilhões nas ações de reparação ao longo da bacia do Rio Doce e realizou pagamentos de auxílios e indenizações a 321 mil pessoas. 

Nenhuma responsabilização no Brasil

Um ano depois do rompimento em Mariana, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia com 26 acusados pelo desastre, entre o ex-diretor-presidente da Samarco e engenheiros e as empresas Vale e BHP. Além dos crimes ambientais, eles respondem por homicídio doloso qualificado por motivo torpe. A ação penal foi instaurada pela Justiça Federal e entre paralisações, recursos e depoimentos, o processo se arrasta há quase três anos sem nenhuma decisão.

Em 2018, uma ação conjunta que reuniu sete instituições públicas, como os MPs e as Defensorias da União, Minas e Espírito Santo, chegou a cobrar da Fundação Renova o respeito ao direito dos atingidos pelo desastre.  "As instituições que assinam a recomendação vêm recebendo constantes denúncias de violações de direitos humanos de pessoas ou comunidades atingidas, com destaque para a dificuldade de acesso a informações e a atuação unilateral e discricionária da Fundação Renova na execução dos programas", informou à época.

Procurada, a Justiça Federal alegou que ainda está em elaboração um informativo sobre todas as decisões judiciais tomadas em relação às indenizações e reparações em toda a bacia do Rio Doce. A última sentença, da semana passada, reconheceu como atingidos pescadores, artesãos, agricultores e lavadeiras que dependiam do Rio Doce para sobreviver. O grupo deve receber valores que variam entre R$ 23.980,00 a R$ 94.585,00 pela Samarco, disse que está analisando a decisão.

 

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