Violência contra a mulher

Lei Maria da Penha completa 16 anos em meio a vitórias e necessidades de avanço

Apesar dos progressos, somente de janeiro a junho deste ano, 71 mulheres foram assassinadas em Minas Gerais

Por Juliana Siqueira
Publicado em 05 de agosto de 2022 | 17:48
 
 
 
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Poucos dias antes de a Lei Maria da Penha completar 16 anos, Emily Ferreti, de 25 anos, foi morta com dez facadas pelo ex-namorado, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. A jovem, assassinada na última quinta-feira (4), apesar de ter vivido no período da criação da lei, foi impedida de ver os avanços sociais e culturais reivindicados por quem convive diariamente com a violência doméstica, reconhece os progressos passados, mas sabe que ainda falta muito para um cenário ideal. Também vítima do ex-companheiro, a advogada Verônica Suriani, de 40 anos, afirma que as mulheres “pedem socorro”. Atingida várias vezes com golpes de faca no último mês de maio, ela não entrou para as estatísticas de vidas perdidas, mas também traz as marcas da violência contra a mulher.

Criada em 7 de agosto de 2006, a lei Maria da Penha tipificou a violência doméstica como uma das maneiras de violação dos direitos humanos. Além disso, trouxe à tona a necessidade de que esses tipos de crimes fossem julgados em varas especializadas. Antes, o julgamento era realizado nos juizados especiais criminais, que decidem acerca de crimes de menor potencial ofensivo. 

Porém, mesmo com as mudanças, os números ainda mostram um cenário triste e desafiador. Somente em Minas Gerais, 152 mulheres foram assassinadas em 2020 e houve 190 homicídios tentados; em 2021, 155 mulheres foram mortas. O ano registrou, ainda, 181 homicídios tentados. De janeiro a junho de 2022,  71 mulheres foram assassinadas, e foram registrados 90 homicídios tentados.

“A Lei Maria da Penha foi uma medida muito importante, e um primeiro passo para se analisar de forma mais completa esses crimes. Mudanças estão acontecendo, as condutas estão sendo criminalizadas, mais mulheres estão procurando as delegacia para denunciar. No entanto, ainda há muito a superar: como o estereótipo de gênero, o machismo que determina essa distinção, e outras questões culturais”, afirma a delegada  Renata Ribeiro, da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítima de Intolerância.

A importância da Lei Maria da Penha é também destacada por Luiza Santos, coordenadora do Projeto de Pesquisa e Extensão em Crimes contra a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (Crim/UFMG). No entanto, diz ela, ainda há gargalos na aplicação. “Quando as mulheres denunciam, às vezes há um cenário de impunidade”, diz ela, lembrando que nem sempre é possível obter as provas e as testemunhas necessárias.

Além disso, afirma Luiza, apesar de muitas pessoas, tanto mulheres quanto homens, saberem da existência da lei, a desinformação e o receio impedem ações mais efetivas de denúncias.  “As pessoas ainda têm muito medo. O Brasil tem uma das melhores leis do mundo, mas ainda precisamos avançar”, afirma.

A delegada Renata Ribeiro salienta que as mulheres muitas vezes não conseguem sair da situação de violência, apesar da proteção proporcionada pela lei. “Há a dependência financeira, emocional, que muitas vezes impedem as mulheres de romper com esse ciclo. Por isso, é preciso de toda uma rede de proteção, com apoio psicossocial,  assistência social, financeira”, afirma.

Agressor ‘não tem cara’

Quando se trata da violência contra a mulher, a delegada Renata Ribeiro destaca outro aspecto importante: que o agressor não tem ‘cara’ ou um ‘perfil’. Inclusive, quando eles agem, pode ser uma surpresa para todo mundo. Entender isso também ajuda a esclarecer mais sobre a violência e a ter um olhar mais atento para o assunto.

“Muitos são trabalhadores, têm prestígio entre os amigos e familiares, demonstram ser um bom colega. O que a gente consegue perceber é que eles têm uma conduta machista, fazem distinção de gênero”, diz.

Vítima de violência, a advogada Verônica Suriani, que sofreu várias facadas do ex, também ajuda a desmistificar a ideia de que o agressor tem um comportamento ou um perfil específico.  Ela conta que seu agressor era um “príncipe encantado”.

“Ele me tratava como a coisa mais importante da vida dele. Mas o homem, em algumas situações, não aceita certas posições das mulheres, como a de não querer mais um relacionamento. Parece que ‘vira uma chave’ dentro deles. Sentem que estão perdendo ‘seu objeto’. Mulher não é objeto”, destaca.

É justamente por conta desse tipo de entendimento e de visão que muitos homens têm das mulheres que as forças de segurança também agem diretamente com eles, no intuito de conscientizá-los.

A delegada Renata Ribeiro ressalta que, em Minas Gerais, desde 2011, a Polícia Civil tem o projeto "Dialogar''. Oficinas de reflexão e de responsabilização dos autores de violência doméstica integram as ações do projeto. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) faz o encaminhamento compulsório de autores. Outros homens comparecem voluntariamente. 

Futuro

Se há 16 anos nascia a Lei Maria da Penha, as ações não devem parar por aí, pelo contrário. Conforme entrevistadas por O TEMPO, há de se pensar em um futuro muito melhor do que o cenário de quando a lei foi criada e do atual. A advogada Verônica Suriani defende que as mudanças na sociedade virão com a educação, com ações junto às escolas, às crianças e adolescentes. “Acredito que o conhecimento da nova geração será muito mais amplo. Hoje, a agressão, muitas vezes, ainda é vista como algo natural”, afirma.

A advogada Renata Ribeiro também acredita no trabalho junto às instituições de ensino, aos mais jovens. “Orientações devem ser passadas para eles, para que essa nova geração não seja tratada com distinção de papéis. É preciso que conheçam a Lei Maria da Penha e que a violência doméstica não seja vista como uma conduta normal, mas, sim, criminosa”, diz.

Mesmo em meio a todos esses desafios, Verônica Suriani ainda tem esperanças. “É preciso acreditar na humanidade. Existe recuperação. Estamos em fase de evolução", conclui.

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