O regime de trabalho dos presos é regulado pela Lei de Execuções Penais, que prevê uma remuneração de ao menos três quartos do salário mínimo – ou seja, um piso de cerca de R$ 783, 75. Mas para muitos encarcerados que trabalham, o valor, ainda que baixo, é uma realidade distante. Em Minas Gerais, dos 20.317 detentos que exercem algum ofício durante o cumprimento da pena, apenas 4.918 são remunerados, o que representa 24,2% dos presidiários que realizam algum tipo de atividade na cadeia.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) explica que as tarefas que se enquadram como prestação de serviço à comunidade não são remuneradas, o que justifica o baixo número de presos que recebem pelas atividades que executam. Fontes ouvidas pela reportagem denunciam ainda que muitos internos que trabalham recebem menos do que o exigido por lei. O governo de Minas, no entanto, nega a informação.
Especialistas apontam que as falhas na gestão do sistema prisional são o principal entrave para ampliar a oferta de trabalho no cárcere. Segundo a Sejusp, o órgão conta com 500 parcerias vigentes e mais de 100 atividades nos presídios de Minas. De acordo com a pasta, internos fazem manutenção e limpeza urbana, construção civil e reparos de instalações, atividades administrativas, artesanato, produção de legumes e verduras, que são doados para instituições filantrópicas, entre outros serviços.
Ressocialização
Para o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Hugo Leonardo, o ideal é que as atividades desenvolvidas pelos detentos servissem como capacitação e pudessem, eventualmente, ser uma oportunidade de um futuro emprego. Mas na prática, segundo ele, não é isso que acontece. “São trabalhos rudimentares, não qualificam a pessoa para a vida pós-cárcere. Muito se fala sobre a política americana, onde, em alguns estados, os presos são obrigados a pagar, mas é difícil associar nossa realidade a outras. Os Estados Unidos também não são exemplo de política criminal. Eles têm a maior população carcerária do mundo, com políticas de abordagens violentas. Lá os presos saem endividados”, destaca.
Segundo o juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) de Belo Horizonte, Marcelo Augusto Lucas Pereira, falta conhecimento e parcerias para que se crie mais trabalhos nos presídios. “O trabalho faz toda diferença no processo de ressocialização. É uma questão de dignificação, de (o preso) se sentir como parte da sociedade. Muitos empresários desconhecem a possibilidade de utilizar a mão de obra carcerária, em que se paga menos. Mas tem o preconceito também. Não se trata de dar uma vassoura para o preso varrer e ponto”, ressalta.
Mão de obra que gera economia
Em Belo Horizonte, mais de 500 sentenciados pela Justiça que tiveram pena convertida em prestação de serviços comunitários já passaram pelo projeto Revitalizar, que propõe a renovação de espaços públicos da cidade. Ao todo, 26 parques sediam as atividades do projeto.
Segundo o presidente da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica, Sérgio Augusto Domingues, o projeto foca na inclusão e inserção social do sentenciado por delito leve, por meio da capacitação e do encaminhamento do apenado para serviços de manutenção dos parques da capital.
Economia. “Eles realizam serviços de limpeza, pintura, plantios e pequenos reparos. Já deixamos de gastar mais de R$ 500 mil com esse projeto”, afirmou Domingues. Em média, segundo ele, os participantes ficam no projeto por dois anos.
Lançado em 2018 e fruto de negociações entre o juiz de direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Belo Horizonte, Luiz Carlos Rezende e Santos, e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), o projeto acumula 67 mil horas de prestação de serviços comunitários.
Minientrevista
Mário Werneck
Secretário Municipal de Meio Ambiente de BH
A prefeitura estuda ampliar o projeto que usa mão de obra de sentenciados para revitalizar parques?
Nós já aprovamos que parte dos recursos de compensação ambiental seja direcionado para o projeto, para a compra de equipamentos e insumos. Queremos levar essa ideia para outras cidades. O valor do serviço, que é gratuito, acaba não sendo tão importante, porque o que resulta depois disso é muito maior. É um bem para a pessoa (sentenciada) e para a população. Estamos estudando procurar a Polícia Federal para que possamos aplicar o projeto para aquelas pessoas condenadas por eles.
Como tem sido a experiência?
BH diminuiu o número de incêndios nos parques. Isso se deve muito ao fato de as pessoas receberem noções básicas de direito ambiental e passarem por curso de brigadista. É não é só mutirão de limpeza. Dentro do projeto, já foram produzidas mais de 15 mil mudas na Pampulha.
Entenda
A situação da população em Minas Gerais
196 unidades prisionais
R$ 2.500*
Custo médio por mês de cada preso
*(Manutenção do detento no sistema;gastos com alimentação, estudo, trabalho, itens de higiene, água, luz, pagamento de servidores, etc). Esse valor varia de acordo com a unidade prisional
População carcerária
69.823 presos
2.637
são mulheres
20.317
É a quantidade de presos que trabalham no Estado**
**Desse total, 4.918 presos trabalham mediante remuneração.
Lei de execução penal
A assistência ao preso é dever do Estado, a fim de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Para tanto, deve envolver ações de assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa
Trabalho
De acordo com o a Lei, o preso tem direito à remição de pena, ou seja, a cada três dias trabalhados tem menos um na pena. Além disso, têm direito à remuneração não inferior a 3/4 do salário mínimo, salvo as tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade, que não são remuneradas. A jornada normal de trabalho não será inferior a seis e nem superior a oito horas.
Como é realizada a remuneração:
50% Líquido benefício: Depositados em conta específica criada para o preso, destinado à assistência à família e pequenas despesas de caráter pessoal.
25% Pecúlio: Depositados em conta judicial e resgatados mediante determinação judicial, normalmente quando o preso estiver em liberdade.
25% Ressarcimento: Ressarcimento ao Estado.