Lei do silêncio

Mais da metade dos deputados não se posicionam sobre CPI da Serra do Curral

Levantamento inédito feito por O Tempo mostra que, em ano eleitoral, a maior parte dos parlamentares mineiros preferem se calar

Por Juliana Siqueira, Vitor Fórneas e Lucas Henrique Gomes
Publicado em 07 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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Silêncio. Em ano eleitoral, quando o assunto é uma possível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a mineração na Serra do Curral, essa é a principal - e mais vazia - resposta entre os deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Ao longo de quatro dias, a reportagem de O Tempo procurou os 77 parlamentares da Casa para saber se eles são a favor ou contra as investigações sobre o licenciamento concedido pelo governo de Minas para a instalação da Taquaril Mineração S/A (Tamisa) na região. Ao todo, 43 parlamentares não se posicionaram, sendo que 24 deles não deram qualquer tipo de retorno; 29 foram favoráveis e 5 contrários.

A possível investigação na ALMG está “há 6 respostas” de praticamente se tornar realidade. Isso porque, na última segunda-feira (2), a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) protocolou um pedido de abertura de CPI, mas é necessário conseguir 26 assinaturas para que o processo de investigação seja criado. Até o fechamento desta edição, 20 assinaturas  tinham sido recolhidas. O próximo passo será protocolar o requerimento e enviar para o presidente da Casa, Agostinho Patrus (PSD), para que ele faça o despacho. 
 

A CPI, caso ocorra, “será uma disputa importante no Estado entre a Assembleia e o governo”, conforme destaca o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Felipe Nunes.  Conforme ele afirma, esse tipo de investigação é um instrumento legislativo utilizado para, de certa maneira, constranger o poder executivo e, geralmente, é eficaz na exposição de problemas. Mas, se a questão é tão importante, por que o silêncio impera entre os deputados?

Cientista político e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec BH), Adriano Cerqueira diz que um dos motivos para esse silêncio está relacionado ao fato de que 2022 é um ano eleitoral.  Neste ano, cinco cargos estão na disputa: deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República. “Por ser um ano eleitoral, houve muita mudança de partidos, novas orientações partidárias, estratégia para o período”, diz ele. “E também não é fácil fazer CPI em época eleitoral, exatamente por ser um período em que a agenda dos políticos está totalmente envolvida para a campanha, que está cada vez mais próxima”, afirma.
 
Mas esse não seria o único motivo. Para ele, também existe toda uma cautela dos deputados antes de se posicionarem até por falta de conhecimento sobre o assunto. “A questão da Serra do Curral é uma questão muito local, mobiliza mais o belo-horizontino. Nem todos os deputados estaduais têm a motivação, a compreensão exata de como foi esse processo envolvendo a autorização da mineração”, afirma ele.
  
Grupos de poderes
Se, por um lado, as respostas de Cerqueira ajudam a explicar o silêncio entre os deputados, por outro, fontes consultadas pela reportagem que pediram anonimato mostram que a questão é muito mais profunda: envolve grupo de poderes. Conforme alegam, indispor-se com algum desses grupos pode ser desastroso, agora e no futuro. E é por isso que até mesmo alguns profissionais como cientistas políticos resolveram se calar sobre a questão. Uma das alegações é que se posicionar a respeito pode “fechar portas”.  

 “A questão da mineração na Serra do Curral por parte da Tamisa envolve grupos de interesse que têm muito poder, de uma forma ou outra. Há o governo, os ambientalistas, os empresários, a comunidade, os defensores do patrimônio cultural. Ao se posicionar para um lado, você vai desagradar algum desses grupos. A pergunta é: até que ponto vale a pena desagradar um desses poderosos?”, pergunta um cientista político, que pediu para não ser identificado. 
 
A questão, segundo a ambientalista do projeto Manuelzão da UFMG, Jeanine Oliveira, é mesmo complicada, ainda mais quando se trata de um ano eleitoral. No entanto, destaca ela, uma CPI seria importante para levantar dados sobre a questão da mineração na Serra do Curral. “Estamos falando da importância de uma grande área verde, de algo que vai interferir na vida, não só dos animais, mas também dos seres humanos”, diz ela.

Contrários à mineração da Serra do Curral temem impactos muito negativos com as operações. A instalação da empresa ameaça a existência de 526 espécies de animais. Além disso, deve impactar 1.109 espécies de flora, sendo 121 ameaçadas de extinção. Tudo isso pode impactar negativamente, inclusive, a vida dos seres humanos, segundo especialistas. 

Procurada, a empresa não se posicionou sobre o assunto. 

Sim, não e “sem resposta”
 
Entre os deputados que se manifestaram na enquete de O Tempo, a reportagem procurou três - cada um com posicionamento diferente - para justificar por que o voto a favor, contra ou indefinido.
 
Defensora do “sim”, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) afirma que “tudo tem mostrado que há diversas irregularidades” no processo que envolve o licenciamento para a mineração na Serra do Curral. “Como que, em se tratando de uma área que está em processo de tombamento, o governo não agiliza esse tombamento, mas agiliza o licenciamento?”, questiona ela, lembrando que há fatos suspeitos sobre a questão. “Fora todos os problemas que ONGs e movimentos ambientalistas têm apontado sobre essa decisão”, completa.
 
Já para o deputado Tito Soares (PSD), a princípio, a abertura da CPI não é necessária. Ele lembra que os órgãos de justiça  e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) já têm tomado providências - na última terça-feira, a PBH ajuizou ação judicial requerendo a suspensão do licenciamento à Tamisa, destacando os impactos negativos que as operações podem causar. O parlamentar também destacou que houve uma audiência pública na última quinta-feira para discutir a questão. “A gente viu a boa vontade da secretária Marília (Melo, secretária de Estado de Meio Ambiente), de esclarecer os pontos que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad)  colocou. Foi mostrado como foi feita a aprovação”, afirma ele.
 
Por fim, o deputado Cássio Soares (PSD), cujo voto na enquete do O Tempo está indefinido, afirma que ainda está verificando se a CPI se justifica. Ele também lembrou da audiência pública de anteontem. “Já tivemos uma audiência pública que durou 9 horas. Ainda teremos outra. Vamos averiguar tudo. Uma CPI envolve muitas nuances, inclusive a estrutura da Casa, dedicação por parte dos parlamentares”, diz ele.
 
Em entrevista a Rádio Super Notícia FM 91,7 na última quinta-feira, a própria  deputada Ana Paula Siqueira destacou todo o diálogo que tem tido com os colegas parlamentares e, inclusive, alguns entraves encontrados.
 
“Conversei com diversos colegas. Vários manifestaram o interesse e a necessidade de instauração dessa CPI, se comprometeram nos próximos dias a fazer a assinatura. Conversei com colegas que manifestaram apoio às causas ambientais, preocupações com as questões hídricas, mas que não estão, neste momento, confortáveis para assinar o pedido de CPI. Conversei também com colegas que não vão assinar em função de comporem a base do governo”, disse. “Estou me esforçando para dialogar principalmente com deputados e deputadas que não são de Belo Horizonte e da região metropolitana e que portanto precisam compreender um pouco mais e com maior profundidade a seriedade de tudo o que está sendo tratado”, afirmou.
 
Procurada, a Tamisa não se manifestou até o fechamento desta edição. No entanto, o consultor da empresa, Leandro Amorim, disse anteontem que a mineração “não vai destruir” a serra do Curral. “Todos os impactos ambientais foram identificados em um amplo estudo feito ao longo de sete anos”, justificou.

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