O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública nessa segunda-feira (20) contra o Estado de Minas Gerais e a empresa Taquaril Mineração na 16ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas. O órgão pede que a Justiça determine a imediata suspensão das licenças ambientais concedidas ao Complexo Minerário Serra do Taquaril, da Tamisa, a ser instalado na área da Serra do Curral, nos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará.
Segundo o procurador Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, que assina o pedido, as licenças são nulas porque "foram concedidas sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento, conforme obrigam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal".
De acordo com o MPF, Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007 e que conta atualmente com 37 famílias que totalizam 182 pessoas.
Em 2017, a comunidade foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA). No dossiê de registro que a reconheceu como patrimônio cultural de Belo Horizonte, as autoridades municipais destacaram “a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa, e cultural, dentre outros processos hostis constituidores da formação das cidades”.
Essa comunidade quilombola foi surpreendida com a notícia de concessão das licenças ambientais para a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem que lhe tenha sido feita qualquer consulta a respeito do projeto, "em evidente descumprimento a direitos reconhecidos pela Convenção 169 da OIT", de acordo com o MPF.
Pedidos
O Ministério Público Federal oficiou o Governo do Estado e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), solicitando informações sobre a realização de consulta à comunidade de Manzo previamente à concessão das licenças ambientais.
A pasta do Meio Ambiente confirmou a "não realização da consulta, alegando que o empreendedor teria afirmado ao órgão licenciador que o projeto não causará impacto direto a nenhum território tradicional", enquanto o governador não respondeu.
Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, entende que “o Estado de Minas Gerais descumpriu obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro, quando este ratificou a Convenção 169 da OIT" e que "causa espanto que tenha firmado seu posicionamento unicamente a partir de declaração unilateral do empreendedor, a Taquaril Mineração.”
A ação afirma que a “relação histórica, espiritual, da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango com a Serra do Curral – inclusive com a Mata da Baleia –, já foi amplamente documentada e reconhecida pelo Poder Público nos dossiês que embasaram o reconhecimento do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango como patrimônio cultural do Município e do Estado”. Relatório antropológico emitido por perita do MPF destacou que “qualquer empreendimento que cause alterações na Serra do Curral poderá gerar impactos para a comunidade quilombola em questão, tendo em vista a proximidade do empreendimento minerário de lugares de referência para o quilombo, como a Mata da Baleia, e do próprio território da comunidade (cerca de 3 km)”.
Para o MPF, “a conduta do Estado de Minas Gerais, ao ignorar a obrigatoriedade da consulta, macula do vício de nulidade todo o procedimento em que foram concedidas as licenças ambientais em favor de um empreendimento altamente poluidor, que afetará recursos naturais que viabilizam a manutenção das práticas culturais, sociais e religiosas da comunidade quilombola de Manzo”.