Saúde

Muito amor e garra para não deixar maternidades morrerem

Crise econômica atinge em cheio hospitais que são referência em partos humanizados e de alto risco

Por Rafaela Mansur
Publicado em 09 de abril de 2018 | 03:00
 
 
 
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Com o Estado mergulhado numa crise financeira sem data para acabar, até quem ainda não nasceu sofre os efeitos da recessão. As maternidades públicas e filantrópicas de Minas Gerais padecem da falta de recursos, que prejudica a estrutura, impede a modernização de equipamentos e exige que os profissionais “matem um leão por dia” para manter as instituições de portas abertas, apesar dos salários parcelados ou atrasados.

O hospital municipal Sofia Feldman, na região Norte da capital, referência em assistência humanizada às gestantes, é a maior maternidade do país em número de partos, mas é a que menos recebe recursos, segundo a direção da unidade. O Sofia realiza cerca de 900 procedimentos por mês e ganha R$ 5.103,89 para cada, valor que inclui o cuidado neonatal, conforme documento da Secretaria Municipal de Saúde de novembro passado. O financiamento é quase quatro vezes menor do que o destinado à maternidade estadual Odete Valadares, na região Oeste, que recebe R$ 18.903,93, a maior cifra por procedimento.

“O subfinanciamento vem das três esferas de governo, mas o município não paga 1% do que recebemos, sendo que 40% dos nossos atendimentos são de munícipes de Belo Horizonte”, afirma o diretor técnico e administrativo do Sofia Feldman, Ivo Lopes. Totalmente dedicada ao Sistema Único de Saúde (SUS), a instituição tem hoje déficit mensal de R$ 1,5 milhão.

Para não deixar faltar nada a mulheres que vêm de cerca de 300 municípios para dar à luz os filhos no Sofia, a direção conta com a compreensão dos funcionários, que ainda não receberam o 13º salário de 2017, e com a ajuda de outras maternidades, que a socorrem com equipamentos e medicamentos. “Se falta um remédio de manhã, corremos atrás, e ele chega à tarde”, diz Lopes. As doações são indispensáveis e vêm de diferentes fontes: desde alimentos e enxovais doados por mães da comunidade até lençóis oferecidos por motéis. Segundo Lopes, a batalha é por manter os 185 leitos do hospital e os 40 das casas de gestantes abertos: “Não posso dar vaga para uma mulher se não tenho recurso, seria negligência”.

Problemas. As dificuldades atingem também a Odete Valadares, onde uma infestação de formigas atingiu o CTI neonatal. Segundo funcionários, a instituição também sofre com infiltrações e alagamentos.

“As mães chegam e veem um monte de baldes espalhados no chão. A gente tem que ficar encostando um bebê no outro para fugir das goteiras. Já teve caso de água pingando em uma mãe durante o parto”, conta uma técnica de enfermagem, que atua há 19 anos na maternidade e não quis ser identificada. Referência no atendimento de mulheres com gestação de alto risco, a unidade realiza, em média, 330 partos por mês.

Segundo a Associação Sindical dos Trabalhadores em Hospitais de Minas Gerais (Asthemg), a chuva causou o fechamento de um bloco cirúrgico. Nesta semana, a entidade promete entregar à Assembleia Legislativa um dossiê com 30 problemas, inclusive gerenciais, identificados na instituição. “As mães que perdem os bebês não têm um lugar reservado para viver o luto e ficam junto com as que estão amamentando os filhos saudáveis”, denuncia a diretora da Asthemg, Monica Abreu. De acordo com ela, mulheres que realizam abortos legais, que antes tinham um espaço específico, também ficariam expostas, sem acompanhamento de assistente social.

A Asthemg promete pedir à Assembleia a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apuração da situação da maternidade.

 

Vaquinha e apadrinhamento

Enquanto falta recurso, sobra vontade para garantir a sobrevivência das maternidades. Na Odete Valadares, os profissionais fazem vaquinha para comprar o que falta e, apesar dos salários parcelados e pagos com atraso, dão um jeito de comprar até roupas e fraldas para famílias sem condições. A vendedora Gizeli Cardoso está há mais de 40 dias no hospital com o filho que nasceu prematuro e ressalta o atendimento gentil e atencioso. “Tem médico aqui dentro que tira do próprio bolso para auxiliar no tratamento de um prematuro, mas isso não é responsabilidade deles. Para a gente, é muito importante esse hospital aberto, trabalhando a todo vapor”, afirma.

As mães e profissionais do Sofia Feldman já pensaram em várias maneiras de manter a instituição em funcionamento, desde brechó até leilões, passando por jantares e, agora, uma campanha de apadrinhamento de leitos, chamada Todos pelo Sofia. Os valores variam entre R$ 50 e R$ 800. “Lutar pelo financiamento adequado e pela sustentabilidade do Sofia é lutar pelo direito das mulheres na assistência ao parto. Pessoalmente, carregamos essa luta com muita força”, disse a médica obstetra do Sofia Krisley Castro.

A estudante Fernanda Moreira, 19, deu à luz o filho João Francisco no hospital na semana passada e aprovou o atendimento humanizado do Sofia. “As enfermeiras e médicas foram supercarinhosas comigo e me ajudaram bastante no parto. Foi um parto natural, bom para mim e para o bebê”, diz Fernanda.

Na maternidade Hilda Brandão, da Santa Casa de BH, uma rifa de um violão com autógrafos de artistas como Jorge e Mateus, Henrique e Juliano, Marília Mendonça e Wesley Safadão, foi criada para arrecadar recursos para manutenção e compra de equipamento neonatal. A rifa pode ser adquirida até o dia 25 de maio na Provedoria da Santa Casa (rua Álvares Maciel, 611, Santa Efigênia).

O que dizem os governos

Municipal. A Secretaria de Saúde de Belo Horizonte informou que repassa recursos de acordo com a produção das maternidades, além de incentivos, seguindo termos de cooperação de convênios pactuados com cada hospital, e que cumpre o pactuado no plano operacional de trabalho contratado com as maternidades da cidade que atendem pelo SUS.

Estadual. A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) afirmou que cerca de 85% dos 115 leitos da Maternidade Odete Valadares estão ocupados, e os que estão fechados para reparos devem ser liberados até a próxima sexta-feira. Informou que o prédio da maternidade é tombado pelo Patrimônio Histórico e precisa de autorização para obras, mas há previsão de revitalização na UTI neonatal até julho, além de projeto para o banco de leite. A Fhemig disse que alguns equipamentos estão em processo de compra, “mas o quantitativo atual não compromete a assistência”.

Protocolo. Segundo a Fhemig, há um espaço e um protocolo específicos para mulheres que perderam os bebês ou abortaram.

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