Antes de se tornar um dos mais conceituados representantes do Ministério Público Estadual (MPE), o promotor de Justiça Francisco de Assis Santiago, 57, experimentou outras vocações. Ele foi jogador semiprofissional de futebol e chegou a prestar dois vestibulares para medicina.

Leitor das páginas policiais desde pequeno, Santiago cresceu ouvindo os debates jurídicos entre o pai, que foi desembargador, e dois irmãos, hoje desembargadores. Não deu outra. Ele se formou em direito em 1979 e, 11 anos depois, passou no concurso do MPE, aos 40 anos.

No último dia 3, Santiago conquistou um feito inédito na história do Ministério Público mineiro: completou o milésimo julgamento como promotor do Tribunal do Júri, onde trabalha desde outubro de 1993.

A paixão pelo Tribunal do Júri, revela o promotor, surgiu quando ele foi selecionado para ocupar uma vaga na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

"Eu aprendi a ler muito cedo, se não me engano com 4 anos, e tinha duas leituras dos jornais. O futebol, e coincidentemente hoje eu sou vice- presidente de futebol do América, e das mazelas da vida, os crimes. Tentei medicina por duas vezes e tinha como meta ser médico-legista. Quando passei no vestibular de direito, fiz a inscrição para jurado e aí começou minha paixão pelo Tribunal do Júri", disse.

Primeiro júri
A carreira no Ministério Público foi iniciada na comarca de Guanhães. O primeiro júri, no entanto, foi em Caratinga, em 1990.

"Eu era promotor da Vara Cível e viajei com o promotor da Vara Criminal para Belo Horizonte. Eu vi no carro dele um monte de processos e perguntei o que era aquilo. Ele respondeu que começaria uma sessão de júri na outra semana. Tive um misto de tristeza e inveja", relembrou Santiago.

De volta a Caratinga, o promotor teve uma surpresa. Santiago estava almoçando quando recebeu um telefonema do juiz José Rates de Carvalho.

"Ele me disse que haveria um julgamento, já adiado no dia anterior porque o promotor não pôde fazer, e me convidou para substituí-lo. Eu li uma sentença de pronúncia, passei o olho no processo e fiz o julgamento. Depois é que eu senti a adrenalina. Pensei ter cometido uma irresponsabilidade, mas em compensação, que me serviu muito, pois me tornei de verdade um promotor do Tribunal do Júri", disse.

Em 17 anos de profissão, o promotor atuou em vários casos de repercussão nacional, entre eles os julgamentos dos assassinos do promotor Francisco Lins do Rêgo.

Santiago foi o primeiro promotor do Tribunal do Júri designado para atuar em uma audiência de crime de trânsito, um pega entre Bicas e Mar de Espanha que terminou na morte de cinco pessoas da mesma família.

O triunfo da carreira, no entanto, foi completar mil júris no fórum que leva o nome do seu pai: Desembargador Assis Santiago, em Ribeirão das Neves.

"Eu quis agradecer meu pai por tudo que eu sou hoje, pelo reconhecimento que tenho, pela felicidade em ser um promotor do Tribunal do Júri. Então nada melhor do que fazer um julgamento onde eu ficaria mais perto dele, no mês do seu aniversário de morte", afirmou. O desembargador morreu em 16 de abril de 1991.

CONVERSA

Em uma conversa no Fórum Lafayette, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, o promotor Francisco de Assis Santiago, 57, falou de projetos pessoais e de sua experiência no Tribunal do Júri.

"Nunca procurei uma decisão que não tivesse amparo nas provas. Fui sempre duro, porque a prova me dava o direito de exigir, de pedir uma condenação", disse.

" Antecessores
Como jurado, participei de vários júris de repercussão. Eu convivi com grandes promotores. Cito o maior promotor que eu conheci e talvez o maior espelho que eu tive, o doutor José Gaspar Nogueira. Eu via o Gaspar falar e ficava pensando: será que um dia eu serei promotor do Júri igual a ele"

" Primeiro grande júri
Foi em Nova Era que eu peguei efetivamente a primeira pauta de julgamento, a comarca onde eu fiz talvez um dos júris de maior repercussão na minha carreira.

O marido foi acusado de ter planejado a morte da esposa que teria contratado pistoleiros e tentado matá-lo seis meses antes. Então foi uma coisa inusitada. Na quarta- feira eu fiz o julgamento dos autores da tentativa contra o marido e na sexta o julgamento dele

" Milésimo júri
Eu poderia ter feito em Belo Horizonte, onde sou titular há 14 anos. Mas eu optei por fazer em Ribeirão das Neves pelo fato de o fórum ter o nome do meu pai. Meu pai nunca foi juiz em Ribeirão das Neves, então foi uma homenagem que o tribunal prestou a ele e eu não poderia pensar diferente.

" Tribunal do Júri
Eu costumo dizer que o fazer júri é diferente da atuação do promotor em outras varas. Você tem o resultado imediato, a cobrança da sociedade, que assiste o seu trabalho e cobra, e o desgaste muito grande, físico, mental, o estresse de um debate.

Nada mais gratificante do que você enfrentar, discutir no Tribunal do Júri com grandes profissionais da área.

" Caso Francisco Lins
Não foi o primeiro. Eu fiz na comarca de Betim um júri do matador da promotora de Justiça da cidade. Senti muito na época do julgamento porque eu tinha um relacionamento muito bom com a promotora.

Num segundo processo que tinha como vítima um promotor, foi talvez o de maior repercussão em Minas, eu também fui designado e fiz o julgamento.

Certamente que eu também senti uma emoção diferente, mas que não me abalou. Eu fiz o júri direcionado a mostrar as provas pedindo a condenação e não deixei que a emoção tomasse conta da razão.

" Cristiane Ferreira
Esse caso é interessante. Não tivemos ainda o julgamento, então não entrou na estatística do meu milésimo júri. A morte da Cristiane Ferreira foi considerada suicídio.

Pelas fotos que tínhamos, pela precipitação da autoridade policial em pedir o arquivamento, não ficamos satisfeitos com essa situação e, através de um procedimento administrativo, fizemos a nossa investigação. Estamos aguardando o oferecimento do libelo para a realização do julgamento.

" Aposentadoria
Nada pode contra o tempo. Eu estou com 57 anos e hoje sinto muito mais um júri do que no início da carreira. O júri longo para mim é um martírio. Também tenho o pedido da família para encerrar a carreira no Tribunal do Júri.

Eles tem medo da minha atuação, porque causa da exposição do promotor com as pessoas envolvidas. Você acusa uma pessoa, frente a frente, não é uma acusação no papel. É uma acusação verbal

" Justiça
Se eu olhar para trás, não tenho arrependimento. Eu dormi todos os dias com tranquilidade. Nunca, tenho certeza, procurei uma decisão que não tivesse amparo nas provas. Tratei a todos com muito respeito, inclusive aos réus. Fui sempre duro, porque a prova me dava o direito de pedir uma condenação.

" Maioridade penal
A minha opinião é que ela deve ser reduzida para 16 anos. Hoje, com 16 anos, o menor é um líder no crime. Porque não puní-los" Porque é menino" Mas um menino que mete um revólver na cabeça de um pai de família.

" Livro
Eu tenho um projeto e vários convites para escrever livros sobre o Tribunal do Júri. Eu nunca quis e nem quero fazer nada didático. Nós temos grandes livros, escritores, juristas. Então seria um livro dos causos, do que eu vivi, dez crimes que a sociedade tomou conhecimento através da imprensa que eu colocaria em um livro.

" Família
Eu tenho três filhos, uma super mulher, fui criado na casa de 12 irmãos com pais rigorosos. Hoje eu transfiro a minha criação para os meus filhos. Sou caseiro e um bom garfo, católico e gosto de frequentar a igreja.

" Ameaças
Se eu nunca tivesse recebido ameaças, seria um péssimo promotor. Já andei com seguranças e hoje eu alterno, mas tomo os cuidados necessários. As ameaças não alteram o meu comportamento como promotor. Eu acredito muito em Deus, eu nasci para morrer pelas mãos de Deus, não pela mão dos homens.