Repercussão

Operação em Varginha: a PF pode indiciar policiais militares pelas 26 mortes?

Instituição federal citou indícios de tortura, homicídios e adulterações de provas na ação em outubro de 2021

Por José Vítor Camilo, Lucas Gomes e Tatiana Lagôa
Publicado em 28 de fevereiro de 2024 | 20:15
 
 
 
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Ao longo do processo de investigação da Polícia Federal finalizada com indiciamento de ao menos 16 Policiais Rodoviários Federais (PRF) e Policiais Militares de Minas Gerais (PMMG) pela morte de 26 suspeitos de arquitetar plano de assalto a banco em Varginha no Sul Minas, uma questão foi levantada: seria da jurisprudência federal ou estadual essa apuração? A alegação surgiu por parte dos defensores dos militares no caso.  

No documento apresentado ao Ministério Público Federal pela PF, consta uma defesa de que, sim, cabe ao órgão participação nesse caso. A tese apresentada pelos defensores da PM é a de que somente a Polícia Judiciária Militar poderia investigar militares, “mesmo que o mandamento legal determine que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida perpetrados por policiais militares contra civis tenha o Tribunal do Júri como instância competente do Poder Judiciário para julgamento”, consta no indiciamento. Para os representantes legais da PM nesse processo, as provas deveriam ter sido enviadas para a PMMG, que ficaria encarregada pelo chamado Inquérito Policial Militar.  

A PF, no entanto, defende que, em caso de crime doloso contra a vida de civis praticado por militares o julgamento deve ser pelo Tribunal do Júri. A determinação constaria na Emenda Constitucional 45/2004 que alterou a Constituição Federal nesse sentido. “O legislador constituinte derivado entendeu que o crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil não é crime militar impróprio e sim crime comum”, explica a instituição.  

Uma fonte da PF diretamente ligada às investigações disse, por telefone, que o julgamento federal não impede que a corregedoria da PM faça suas apurações para resoluções administrativas.  

Em nota, a PM disse que "a investigação do crime militar é de competência EXCLUSIVA da Polícia Judiciária Militar". Um militar do alto escalão ouvido pela reportagem defendeu que a decisão sobre esse julgamento ser ou não feito no Tribunal do Júri precisa passar pelo aval da Justiça Militar.

"Crime militar é sempre conduzido pela Justiça Militar em IPM (inquérito policial militar). Quando o crime é contra a vida, a Justiça Militar pode declinar a competência e o crime ser julgado no Tribunal do Júri da Justiça comum, mas isso parte da Justiça Militar e o processo continua sendo policial militar", disse a fonte que pediu anonimato. 

A fonte diz ainda que existem visões jurídicas distintas que podem embasar questionamentos sobre o indiciamento pela PF e uma suposta denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público Federal.  

A partir de agora, cabe ao MPF avaliar a possibilidade de apresentação de denúncia com base nas provas colhidas e investigação própria. Em nota o órgão disse que vai avaliar possível retomada das apurações sobre o caso que estavam suspensas "aguardando o resultado das perícias criminais". Se o Ministério Público entender que cabe denúncia, o próximo passo é o julgamento em um Tribunal do Júri.

Inquérito da Polícia Federal questiona atuação

O inquérito da Polícia Federal questionou a ação da PM e da PRF. Conforme o relatório, os suspeitos dormiam quando foram surpreendidos pelos policiais. “Aproximadamente 500 disparos efetivados pelos agentes do Estado. Somente 20 disparos atribuídos às armas dos roubadores”, diz trecho do documento, que também cita “evidências” de que os próprios policiais usaram as armas dos suspeitos para simular um confronto.

O TEMPO teve acesso ao relatório completo, onde os investigadores da PF denunciam uma série de irregularidades na ação das polícias, como sequestro, tortura e execução de dois suspeitos que estariam no caminhão que seria usado na fuga. Além disso, apontam possível alteração da cena do crime.

PM diz que competência é da Polícia Judiciária Militar

Em nota, a Polícia Militar de Minas Gerais afirmou que "a investigação do crime militar é de competência EXCLUSIVA da Polícia Judiciária Militar", com base "nos termos do art.125, §4º da Constituição Federal de 1988, combinado com o art.144, §4º da CF/88, e de acordo com o art. 142, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, e art.7⁰, "h",  do Decreto Lei 1002/69.

Relembre a operação

As forças de segurança começaram a investigar o grupo em agosto de 2021. No fim de outubro, após informações indicarem sobre um novo assalto em Varginha, foi montada uma operação conjunta entre a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Na manhã de 31 de outubro, os policiais adentraram duas chácaras em que estavam os suspeitos. Conforme a versão oficial da PMMG, na primeira, foram 18 suspeitos mortos; na segunda, outros oito, totalizando 26. A corporação também divulgou que foi recebida com tiros pelos suspeitos.

A ação chegou a ser comemorada pelas autoridades, à época. A porta-voz da PMMG, capitão Layla Brunnela — atualmente major —, disse que aquela era a maior operação referente ao “Novo Cangaço” no país e que “muitos infratores fariam um roubo a banco, naquele dia ou no dia seguinte, e foram surpreendidos pelo serviço de inteligência da PM integrado com a PRF”.

A PRF informou, por meio de nota, que "a quadrilha possuía um verdadeiro arsenal de guerra sendo apreendidos fuzis, metralhadoras ponto 50, explosivos e coletes à prova de balas, além de vários veículos roubados. Foram arrecadados ainda diversos “miguelitos” (objetos perfurantes feitos com pregos retorcidos usados para furar os pneus das viaturas policiais)".

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