Violência

Para cada branco assassinado em Minas, quatro negros são mortos

Nos dez primeiros meses deste ano, 1.768 pretos ou pardos e 447 não negros foram executados

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 28 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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A cada branco assassinado em Minas Gerais, quatro negros foram mortos de janeiro a outubro deste ano. Ao mesmo tempo, nos presídios mineiros, quase 70% dos encarcerados também são pretos e pardos. E não é uma mera coincidência que essa parcela da população encabece as duas estatísticas. Os números, segundo especialistas, evidenciam dois resultados de um racismo estrutural e histórico, que empurra uma parcela considerável dos negros para dois tipos de finais: prisão ou morte.

Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp-MG), nos dez primeiros meses deste ano, foram mortos 1.768 negros, 447 brancos, amarelos e albinos e 330 de cor de pele não informada. Na avaliação de estudiosos, o que está ocorrendo, não só em Minas, mas em todo país, é um genocídio de negros, termo que é usado quando há o extermínio de um grupo.

“Estamos falando de uma parcela da população que está sendo dizimada, por falta de oportunidades, por preconceito, e não dá para fechar os olhos para isso. Os jovens negros são os principais alvos dessa matança. Estamos vivendo o equivalente ao que ocorre em países em guerra aqui no Brasil”, afirma o sociólogo e estudioso da temática “juventude e contextos urbanos”, Luiz Alberto Oliveira.

Segundo o pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Frederico Marinho, a primeira forma de excluir a população negra, que acaba impactando sobre os índices de morte, é deixando as áreas mais periféricas das cidades desestruturadas. “A maior parte da população que mora em territórios vulneráveis é negra. Nesses locais, o acesso à educação, a equipamentos públicos e a bens de necessidade básica são mais restritos. Em algumas áreas, nem ônibus passa. E essa é a primeira forma de exclusão deles”, explica.

E, justamente por estarem à margem, os “guetos” são os espaços escolhidos para atuação do tráfico de drogas. “Esses adolescentes que não têm a mesma oportunidade sofrem preconceito quando tentam uma colocação profissional não conseguem se qualificar como os demais e acabam sendo recrutados por gangues”, diz.

Consequência

E é nesse momento que os jovens negros passam a integrar a segunda estatística: a dos presídios. Tanto que 46,55% dos pretos encarcerados respondem por tráfico de drogas, e uma parcela de 19,9% deles, por homicídio. “Esses jovens começam com crimes de menor potencial ofensivo e, depois, vão evoluindo dentro da organização criminosa. Para conter isso, é preciso muito investimento em educação. O governo precisa agir com políticas de inclusão”, analisa Marinho.

A família de uma diarista de 52 anos, que terá a identidade preservada, sentiu bem o peso e o significado de ser negra e viver em uma região periférica da cidade. Há três anos, o sobrinho dela, na época com 21 anos, foi assassinado na esquina de casa, no bairro Jaqueline, na região Norte de Belo Horizonte, enquanto conversava com uns amigos.

Os assassinos queriam fazer um “acerto de contas” com um dos rapazes que o acompanhavam e dispararam vários tiros. Ela não sabe nem dizer quantas balas acertaram o sobrinho, mas o final da história ela lembra bem: “Mataram ele e mais dois meninos. Arrasaram com nossa família”, lamenta. Para ela, o fato de morarem em uma área periférica, com forte atuação de traficantes, foi determinante para o desfecho trágico.

 

Racismo em estereótipo de inferioridade

A violência contra a população negra tem raízes na escravidão. Mas, anos depois, até a ciência foi usada para tentar “comprovar” uma inferioridade negra, com estudos que até hoje povoam o imaginário da população.

“Com base nas visões de Cesare Lombroso, um psiquiatra europeu que tentava definir um perfil físico comum a bandidos, alguns estudiosos começaram a traçar as características físicas dos negros como próprias das classes criminosas. E até hoje as pessoas levam em conta esse estereótipo”, afirma a professora de história da África da UFMG, Vanicléia Silva Santos. 

Para ela, isso é determinante até em julgamentos de criminosos, como nos júris populares.

Resposta

Ações. A Sesp diz que todas as políticas na segurança são para reduzir a violência e as mortes violentas, como maior policiamento em BH, criação de bases comunitárias e o programa Fica Vivo.

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