No ano em que enfrenta a segunda pior epidemia de dengue da história de BH, a Secretaria Municipal de Saúde anuncia que vai recorrer a drones, cruzamento de dados e soltura de insetos para reduzir o potencial de transmissão do vírus e frear o avanço da doença. É o que o explica, em entrevista exclusiva, o subsecretário de Promoção e Vigilância à Saúde de BH, Fabiano Pimenta.
Belo Horizonte já enfrenta, em 2019, a segunda pior epidemia de dengue da história, com 112,7 mil casos confirmados e 26 mortes. O que explica esse quadro? Nós sabemos que as arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti – dengue, zika, chikungunya e febre amarela – passam por duas questões muito importantes. A primeira é a presença de mais de 80% dos focos do mosquito no ambiente domiciliar. A segunda é o fato de a população não ter a imunidade para o vírus que está circulando. No caso da dengue, são quatro sorotipos e o Den-2 não circulava em BH desde 2010. Então tivemos um conjunto de pessoas, seja aquelas que nasceram depois de 2010, seja aquelas que não tiveram contato com o Den-2, suscetíveis a adoecerem.
Neste ano, as regiões Nordeste, Barreiro e Venda Nova registraram os piores índices de contaminação por dengue. Houve falha no combate ao mosquito nessas regionais? De forma nenhuma a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) priorizou uma área em detrimento de outra. Cada regional tem uma especificidade. No caso de Venda Nova, temos uma avaliação muito clara de que as temperaturas de lá são muito mais elevadas do que em outras regiões, como a Centro-Sul, por exemplo. E sabemos que temperaturas mais elevadas estão intimamente ligadas a um desenvolvimento mais rápido do Aedes aegypti e a uma multiplicação mais rápida do vírus dentro do mosquito. Além disso, Venda Nova tem muito mais casas do que prédios elevados e sabemos que o mosquito prefere baixas altitudes. A região Nordeste tem características intermediárias. O caso do Barreiro suscita pesquisas mais aprofundadas. Por anos, a incidência de dengue naquela região foi mais baixa, fato atribuído às temperaturas amenas. Mas em determinado momento, o vírus procura as populações mais suscetíveis.
Qual é o principal desafio no combate à dengue em BH? A capacidade do mosquito de se adaptar ao ambiente é o grande desafio. Além disso, as temperaturas, mesmo em locais mais frios, vêm subindo, e isso trabalha a favor do mosquito. Há ainda uma produção cada vez mais intensa de criadouros artificiais, como os potinhos de iogurte, de margarina, de sorvete, o copo descartável. Também não podemos deixar de considerar que, apesar das estratégias que a prefeitura usa, existem muitas residências em que a população passa o dia inteiro ausente e a entrada do agente de combate a endemias é limitada.
Se 80% dos focos ainda estão dentro das residências, o que a PBH tem feito para eliminar os criadouros dentro das casas? A PBH tem um trabalho articulado há cerca de um ano com a Defesa Civil, que vai à noite em áreas onde o agente não consegue entrar durante o dia e agenda uma data em que o proprietário pode estar presente. Também há um trabalho com a Secretaria de Fiscalização, que inspeciona lotes vagos, notifica e orienta os proprietários sobre a responsabilidade que eles têm de fazer a limpeza dos terrenos. Se a limpeza não ocorrer, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) faz a limpeza, enviando o custo do trabalho para o dono do imóvel. Em locais onde, reiteradamente, encontrarmos focos do mosquito colocando em risco a população, não hesitaremos em tomar medidas como a entrada forçada no imóvel e aplicação de multa. Ao mesmo tempo, discutimos um aperfeiçoamento da estratégia de comunicação com a população sobre o que pode ser considerado o segundo criadouro mais frequente em BH: os pratos dos vasos de plantas. Vamos fazer uma negociação com as pessoas, dizendo que está tudo bem em usar os pratos, mas é preciso lavar com bucha e sabão uma vez por semana.
Com a chegada do período chuvoso, a prefeitura já traçou novas estratégias para evitar uma nova epidemia? Uma das ferramentas que vão ser usadas no combate à dengue neste período chuvoso são os dados do Projeto Arboalvo. Em parceria com a Fundação Oswaldo Crus (FioCruz), foram feitos levantamentos extremamente detalhados de cada um dos setores censitários de BH, que são conjuntos de quarteirões, com temperatura mínima e máxima, amplitude térmica, densidade geográfica, movimentação da população e vários outros fatores que podem contribuir para uma maior infestação do mosquito. Isso gerou um diagnóstico muito bom sobre potenciais fatores de risco para a transmissão da doença. Nesses locais, além da medida rotineira, nós trabalharemos com outras ações, como participação da comunidade, direcionamento das ações de mobilização nas escolas, entre várias outras medidas.
E como a tecnologia pode ajudar no combate ao vetor da dengue? Desde julho, drones têm feito voos onde a prefeitura identificou áreas de maior infestação do mosquito. Cruzamos os dados colhidos nas imagens com as informações dos agentes de combate a endemias para procurar determinados locais onde é necessário um pente fino. Além disso, em parceria com FioCruz e apoio irrestrito do município, pretendemos iniciar, ainda neste ano, na região de Venda Nova, um projeto de implantação do Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, que não parasita o homem, mas tem capacidade de diminuir o potencial do mosquito de transmitir os vírus da dengue, chikungunya e zika para as pessoas. Quando o inseto é solto e acasala com a fêmea, os descendentes herdam a bactéria. Não há uma modificação genética do mosquito, é uma tecnologia completamente diferente. E temos vários trabalhos publicados por revistas científicas conceituadas sobre resultados importantes de redução de transmissão dos vírus. Já iniciamos a fase de engajamento, discutindo com a população sobre como essa tecnologia funciona e a inexistência de riscos. Mas temos que ter bastante segurança de que a comunidade entenda esse processo antes de soltar os mosquitos.