Entenda

PM veta carros de som e pode inviabilizar Carnaval de dezenas de blocos

Organizadores de blocos alegam que a documentação exigida pela PM neste ano nunca havia sido pedida e não há tempo para alteração

Por Lara Alves
Publicado em 17 de fevereiro de 2020 | 11:26
 
 
 
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Minutos antes do começo do cortejo do bloco "Abre-te Sésamo" nessa sexta-feira (14), na região central de Belo Horizonte, organizadores e integrantes da bateria receberam uma ordem da Polícia Militar: a banda não poderia seguir o desfile na parte de cima do carro de som, como de costume nos anos anteriores.

Aos responsáveis, os militares teriam dito que as documentações dos veículos não estavam de acordo com o estipulado. Os músicos desceram e precisaram seguir com o cortejo a pé, apesar do risco de chuva e de os instrumentos serem elétricos. 

O mesmo aconteceu nesse domingo (16) com dois dos blocos mais importantes desse dia. Organizadores do "Asa de Banana" e "Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro" descobriram às vésperas dos cortejos que havia supostas irregularidades no caminhão-reboque adaptado para uso como carro de som.

As exigências da Polícia Militar nunca antes haviam sido pedidas aos blocos de Carnaval de Belo Horizonte, como defendem os membros. Nota publicada nesta manhã de segunda-feira (17) com assinatura conjunta de inúmeros blocos aponta exatamente isto: "Em nenhum momento, nenhum dos órgãos públicos envolvidos exigiu o tipo de documentação que está sendo exigida agora, surpreendendo os blocos já no período carnavalesco".

Os caminhões, após os  desfiles de domingo, acabaram apreendidos e rebocados até o pátio do Detran. Aos organizadores, a Polícia Militar de Minas Gerais teria alegado que os carros de som só poderiam desfilar se na documentação – no Renavam – deles constasse a especificação de que são usados como "trio elétrico".

"Os dois caminhões que são usados por muitos blocos no Carnaval de BH, os mesmos usados no ano passado, não funcionam exatamente como trio elétrico, então nunca nos foi cobrada essa alteração no documento. O carro de som é um caminhão adaptado para isso, ele cumpre todas as exigências de fiscalização e de segurança", explica a advogada Laura Diniz, que também é integrante do bloco "Daquele Jeito".

Agora, ela se organiza para entrar com um pedido de liminar na Justiça que autorize a circulação desses dois caminhões, como forma de evitar que desfiles já programados para acontecer – e que contariam com o apoio desses carros de som – precisem ser cancelados. 

"Embora sejam carros adaptados, eles atendem a todas as exigência de um trio elétrico, atenção às redes elétricas, segurança... O que na minha avaliação parece ter acontecido é uma falta de comunicação entre os órgãos públicos, devido o fato de que a PM não participa das reuniões de organização. Nós sempre somos convocados pela Belotur, pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e pelos bombeiros a discutir as exigências. São reuniões longas e muitas ao longo do ano, nós percebemos que a PM nunca está presente, por isso possa ter havido uma falha de comunicação", completa Daniel Ferreira, um dos organizadores dos blocos "Abre-te Sésamo" e "Pisa na Fulô". 

A grande preocupação dos integrantes dos três blocos afetados entre sexta-feira e domingo, prejudicados por uma determinação que segundo eles não havia sido expedida nas reuniões para organização do festejo – acontecidas ao longo do ano de 2019 –, é que a apreensão dos dois caminhões e a nova exigência prejudiquem os desfiles ainda de outros blocos importantes para o Carnaval de BH.

Tchanzinho Zona Norte, Juventude Bronzeada, Garotas Solteiras, Truck do Desejo, Daquele Jeito, Angola Janga e Alô, Abacaxi são apenas alguns dos blocos que também usam esse mesmo caminhão. 

"Os dois caminhões, que são usados nos desfiles de 'Abre-te Sésamo', 'Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro' e 'Asa de Banana', são os mesmos que usamos no ano passado e desfilamos sem problemas. Uma série de blocos de BH usam esses mesmos dois caminhões. Nós fazemos uma parceria no sentido de viabilizar economicamente o desfile, normalmente um mesmo caminhão é usado em desfiles de manhã e de tarde", explica Daniel Ferreira. 

Caso não haja acordo entre Polícia Militar, órgãos públicos que cuidam do Carnaval, blocos de rua e Justiça, se tornaram inviáveis os desfiles de todos esses blocos, previstos para acontecer entre sábado (22) e terça-feira (25). Organizadores alegam que não há tempo hábil e dinheiro para adequar a documentação dos carros de som à exigência da corporação militar.

De acordo com a advogada Laura Diniz, alterar a documentação dos carros de última hora custaria aos blocos cerca de 40% do valor do aluguel de cada caminhão – o menor custa R$ 9.500, e o maior R$ 12.000. Não apenas, não há também quaisquer recursos financeiros para a contratação de novos trios ou caminhões adaptados. 

"O que a gente espera agora é que não seja mantida essa exigência, que deveria ter sido feita com antecedência. Não temos tempo hábil para alterar a documentação, como também não temos em BH oferta de trios. Financeiramente, também não teríamos agora a condição de alugar um trio elétrico. Cada bloco já investiu todo seu caixa. Esperamos que os órgãos, a PM, a BHTrans, a Belotur e os bombeiros viabilizem os desfiles dos blocos que usarão esses carros. São blocos de muita tradição no Carnaval de BH", comenta Daniel Ferreira. Concluído o cortejo do "Abre-te Sésamo", ele se prepara agora para o "Pisa na Fulô".

Ainda de acordo com os grupos responsáveis pelos blocos de Carnaval responsáveis pela contratação desses dois caminhões, todas as documentações desses dois carros já haviam sido repassadas aos órgãos competentes.

"O que a gente tem batido na tecla é que está em cima da hora para que essas exigências sejam feitas. Os órgãos nunca colocaram a documentação como é como impedimento. Quando nós participamos do edital da PBH para concorrer a verba de apoio, a especificidade do caror é pedida e nós encaminhamos todos os dados. A Belotur, junto com a PBH e com a BHTrans, tem controle de informação sobre todos os veículos que estão nas ruas, até mesmo para segurança da cidade", detalha Daniel Ferreira. 

A reportagem de O TEMPO aguarda posicionamento da Belotur sobre o caso. A Polícia Militar respondeu que cumpriu as leis de trânsito (veja abaixo). 

Frustração e correria 

Restando pouco tempo para o início do desfile, organizadores do bloco "Abre-te Sésamo" conseguiram negociar com a Polícia Militar para que o carro, apesar de não cumprir a exigência determinada, acompanhasse o cortejo. No entanto, músicos da banda precisaram desembarcar e seguir a pé.

"O problema é que se começasse a chover teríamos que encerrar o desfile. Nós tocamos com instrumentos elétricos e seria um risco muito alto andar com um instrumento elétrico na chuva. O carro seguiu vazio e nós tivemos um atraso muito grande em função dessa negociação. Realmente foi um risco muito grande que nós tivemos que assumir (desfilar apesar da previsão de chuva), são meses de preparo, investimento, ensaio...", comenta Daniel Ferreira. 

Leia, na íntegra, a nota escrita e assinada pelos blocos de Carnaval:

O que diz a Polícia Militar

Na versão da Polícia Militar, os veículos foram apreendidos dos blocos por que estavam em desacordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). 

"Ressaltamos que para transitar com carro de som, é necessário que o veículo possua no campo de Observações do CRLV a informação de possuir o Certificado de Segurança do Veículo, em conformidade com as normas e exigências do Inmetro. Já para o trânsito legal do trio-elétrico, é necessário que, além das conformidades do Inmetro, o veículo passe por uma Vistoria no Detran, que emitirá um novo CRLV, no qual a categoria desse veículo será alterada para veículo especial", informou à polícia. 

Veja a nota completa da Polícia Militar sobre o caso:

A Polícia Militar de Minas Gerais, por meio do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) em resposta aos questionamentos apresentados por essa emissora, esclarece que o BPTran, em virtude de convênio firmado com o órgão de trânsito Municipal, realiza o policiamento de trânsito em toda Capital Mineira. Executa ações e operações de caráter fiscalizatório que visam a educação, prevenção e a repressão de delitos e infrações de trânsito.

As fiscalizações são desenvolvidas em locais estratégicos e nos grandes corredores de trânsito, com foco na redução de acidentes e na prevenção criminal. Por força normativa, durante as atividades do BPTran, caso o Policial Militar se depare com infrações de trânsito, são adotadas as medidas administrativas pertinentes, bem como é feita a lavratura do devido auto de infração que é encaminhado para autoridade de trânsito, Estadual ou Municipal conforme a competência já definida no Código de Trânsito Brasileiro.

No caso em tela, confirmamos duas remoções executadas pelo Bptran, cujos motivos foram pelas infrações, de acordo com o CTB, de:

“Art. 230. Conduzir o veículo:

II - transportando passageiros em compartimento de carga, salvo por motivo de força maior, com permissão da autoridade competente e na forma estabelecida pelo CONTRAN;

VI – com qualquer uma das placas de identificação sem condições de legibilidade e visibilidade:

Tais infrações são gravíssimas, cuja penalidade é a multa e apreensão do veículo, e prevê como medida administrativa remoção do veículo.

A Polícia Militar de Minas Gerais pauta sua atuação nos princípios de legalidade, moralidade e ética e está disponível 24 horas para garantir os direitos da sociedade mineira e manter a ordem pública. Sendo assim, as medidas foram adotadas uma vez que os veículos dos blocos estavam em desacordo com o CTB.

Ressaltamos que para transitar com carro de som, é necessário que o veículo possua no campo de Observações do CRLV a informação de possuir o Certificado de Segurança do Veículo, em conformidade com as normas e exigências do Inmetro. Já para o trânsito legal do trio-elétrico, é necessário que, além das conformidades do Inmetro, o veículo passe por uma Vistoria no Detran, que emitirá um novo CRLV, no qual a categoria desse veículo será alterada para veículo especial.

Matéria atualizada às 15h46

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