Surto

Presídio de MG onde jovem detido com maconha morreu teve 75% de presos com Covid

Dos 216 encarcerados que cumprem pena no local, 162 testaram positivo para a doença; informação foi relatada em documentos da Secretaria de Estado da Saúde (SES) antecipados pelo “The Intercept e obtidos por O Tempo

Por Lucas Negrisoli
Publicado em 28 de julho de 2020 | 19:08
 
 
 
normal

Um detento foi transferido de uma unidade prisional em Ipatinga, no Vale do Aço, para o presídio de Manhumirim, no último 19 de maio. Ele não apresentava sintomas de Covid-19 e não foi testado à época. 

No dia 16 do mês seguinte, um dos presidiários apresentou sintomas da doença. No 23 de junho, o homem foi examinado e, a infecção, constatada – ele precisou ser internado. Dois dias depois, houve testagem de pessoas sintomáticas no local e 162 dos 216 encarcerados estavam com a doença – o que representa 75% das pessoas presas. 

Um dia após a testagem no final de junho, um superintendente da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) determinou a suspensão temporária de transferências para o presídio. 

Também foi informado que o local passaria por quarentena, que duraria entre sete e 15 dias. Duas semanas depois, no 4 de julho, um jovem negro de 28 anos, que estava preso desde 2018 no presídio devido ao porte de 10g de maconha, morreu em decorrência do surto na unidade. 

Trabalhadores também foram infectados – dos 56, 43 foram testados para coronavírus e 13 estavam doentes. Desses, apenas nove foram afastados. Uma visita técnica do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) constatou que não há área de isolamento na cadeia de Manhumirim e apenas dois técnicos de enfermagem trabalhavam na unidade para cuidar dos adoecidos. 

No dia em que estiveram no local, a equipe do Cievs observaram que nem todos os detentos usavam máscaras e que, apesar de terem sido dispersos em quatro blocos, o distanciamento entre eles era menor do que o ideal em todos os casos. 

As informações são narradas em documentos da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG), que registram visitas técnicas à unidade prisional e ao asilo em junho. Os papéis foram divulgados em primeira mão pela coluna da repórter Cecília Olliveira, do "The Intercept Brasil", e, posteriormente, obtidos por O TEMPO

Questionada, a Sejusp afirmou que "todos os custodiados do Presídio de Manhumirim foram testados após a confirmação do primeiro positivado para a doença da unidade. Assintomático, o mesmo descobriu a covid-19 enquanto estava em internação". A secretaria diz que não há mais detentos com diagnósticos positivos no presídio de Manhumirim nesta terça-feira e que todos protocolos foram cumpridos. 

A pasta alega que "logo após a testagem em massa, feita por meio de teste rápido, todos que confirmaram a infecção por coronavírus foram isolados e passaram a ser acompanhados diariamente pela equipe de saúde da unidade", diz nota encaminhada à reportagem. Todos os presos passaram a usar máscara após o ocorrido, de acordo com a Sejusp.

As informações diferem do que foi relatado pelos técnicos no relatório, que apontou dois casos a mais confirmados no presídio, condições de isolamento insuficientes e ausência da máscara em alguns encarcerados.

Sobre a não testagem do detento transferido, a pasta ressatlou que "o protocolo técnico de saúde para testagens inclui pré-requisitos que são válidos para todos os cidadãos do Estado, entre eles os presos" e que " a Sejusp adotou um modelo de portas de entrada, onde presos recém admitidos cumprem quarentena para evitar a proliferação do vírus".

A secretaria afirmou que "qualquer afirmação que tente inferir sobre a origem do vírus que contaminou os internos" em Manhumirim "trata-se de ilação". 

Minas tem 298 infectados no sistema prisional

Até as 10 horas desta terça-feira, a Sejusp contabilizou que 298 pessoas em custódia do Estado têm diagnóstico positivo para a Covid-19, dentro de "um universo de 60 mil custodiados". Dois deles estão em prisão domiciliar e, o restante, em quarentena nas cadeias. 

"Os dados apontam 296 custodiados cumprindo período de quarentena dentro das unidades prisionais, acompanhados pelas equipes de saúde das unidades, assintomáticos ou com sintomas leves da doença. As alas em que se encontram foram isoladas, desinfectadas e todos servidores e demais detentos do local usam máscaras de forma preventiva", alega a secretaria. 

Asilo a 2 Km do presídio também registrou surto de Covid-19

Em paralelo, a pouco mais de dois quilômetros do presídio, no asilo Lar São Vicente de Paulo, em Alfenas, onde vivem 103 idosos, um novo surto de coronavírus estava prestes a ocorrer, segundo informaram funcionários aos técnicos durante a vistoria realizada no presídio. 

Pouco tempo depois, ao menos 12 internos morreram devido à Covid-19 e 47 pessoas, entre idosos e funcionários, foram contaminadas. Há ainda um óbito em investigação por relação com a doença, segundo o último boletim do Lar São Vicente de Paulo, produzido nessa sexta-feira (24).

“Após a visita ao presídio de Manhumirim, a equipe dirigiu-se ao abrigo São Vicente de Paulo e foi recebida pela enfermeira C., responsável pela UBS da região. Relatou que após o caso inicial, foram realizados 3 swabs (método de coleta para detecção da infecção por coronavírus) para a pesquisa de SARS-CoV-2 no dia 26/06/2020, com resultados positivos. No dia 29/06/2020 realizaram mais 9 swabs em pacientes sintomáticos. Foram identificadas 18 pessoas sintomáticas no total”, descreve o texto. 

Os relatórios informam que “não há distanciamento seguros entre os leitos e não há planejamento para a separação dos casos ou outra estratégia” no local. “As visitas de familiares dentro da instituição foram suspensas, mas existe um vidro onde os idosos podem ser vistos por seus parentes”, continua o documento. 

De acordo com a SES, foram notificados, até o momento, 44 surtos de Síndrome Respiratória Aguda Grave “possivelmente associados à Covid-19” em asilos no Estado.

A pasta ressalta, em nota, que “o Estado está atento ao número de casos confirmados de pessoas idosas institucionalizadas, principalmente pelo fato dos residentes nessas instituições serem mais vulneráveis e da dificuldade em manter o distanciamento social, aumentando ainda mais os riscos de infecção pela COVID-19”. 

Investigações sobre contágio no presídio estão sob sigilo

A Polícia Civil de Minas Gerais informou em nota que as investigações sobre a morte do detento em Manhumirim estão “em andamento sob sigilo” e que “mais informações serão repassadas em momento oportuno” à imprensa.

Questionada sobre possível relação entre os dois surtos, a instituição disse que “não consta registro referente” ao asilo em Alfenas no banco de dados. 

Esta matéria foi atualizada às 22h15, após a Sejusp esclarecer o objeto da investigação da PCMG. Anteriormente, a instituição havia dito apenas que "as investigações sobre o caso em Manhumirim estão sob sigilo", em referência aos questionamentos da reportagem sobre a contaminação em massa no presídio

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!