Desmantelada pela PM

Quadrilha usaria tática conhecida como ‘domínio de cidade’ em Varginha

Com grande uso de violência, modalidade surgiu há pouco tempo no país principalmente para roubos a bancos. Organizações criminosas são conhecidas pelo forte planejamento, poderio bélico e investimentos vultuosos nas ações

Por Lucas Morais
Publicado em 01 de novembro de 2021 | 16:48
 
 
 
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Armas de uso restrito, milhares de munições, explosivos e todo um aparato que mais parece cena de guerra. Cada vez mais ousados, criminosos têm usado em todo o país uma modalidade conhecida como “domínio de cidade” para roubar bancos e empresas que transportam valores. Em Varginha, na região Sul de Minas Gerais, a ação de uma dessas organizações foi descoberta pela Polícia Militar (PM), com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), e a operação causou a morte de 26 pessoas do grupo. 

Conhecida pelo grande uso de violência, a prática criminosa busca impedir que as forças de segurança possam agir durante o roubo e ainda usa a população como escudo, inclusive com mortes. E cada vez mais cidades de médio porte se tornam alvo dos criminosos. O chefe de Estado-Maior da PM, coronel Eduardo Felisberto Alves, explicou que essa modalidade “vem acontecendo há algum tempo” e é conhecida vulgarmente como novo cangaço. “Mas tecnicamente chamamos de domínio de cidade por conta do modus operandi dos bandidos”, pontuou.

Segundo o coronel, geralmente são grupos grandes, com mais de 20 membros, altamente organizados. “Possuem técnicas de atuação específicas, chegam na cidade antes do crime, fazem levantamento dos locais a serem atacados, produzem explosivos específicos para a ação, dominam pontos de acesso, realizam bloqueios, usam objetos conhecidos como miguelitos, para furar pneu de viaturas e atrasar a chegada de reforço policial”, especificou. Entre as armas apreendidas pela corporação na cidade, estava um fuzil usado pelo exército para derrubar aviões. “São pessoas extremamente covardes, inclusive matam friamente para garantir a ação e a fuga”, acrescentou.

Em 2017, o cabo Marcos Marques da Silva, na época com 36 anos, e um vigilante do Banco do Brasil, de 53, foram mortos durante um assalto às agências bancárias de Santa Margarida, na Zona da Mata. Mas a atuação desses grupos, que muitas vezes são ligados às grandes organizações criminosas do país, não está mais restrita às cidades pequenas, como ocorreu em Araçatuba (SP) e Criciúma (SC). Por isso, o chefe da PM lembrou da importância das ações para evitar esses casos.

“É uma modalidade que acompanhamos de perto, com trabalho de inteligência para evitar a ação. Trabalhamos para identificar a atuação dessas quadrilhas e tentar agir antes que o fato aconteça, como foi em Varginha, Brumadinho, em que buscamos as informações e conseguimos abordar a quadrilha quando eles iriam fazer o ataque”, explicou. 

Investimentos vultuosos

O delegado aposentado Antônio Carlos Corrêa de Faria, que atuou em uma das primeiras ações que prendeu integrantes do ‘novo cangaço’, disse que as organizações chegam a fazer investimentos de até R$ 500.000 nessas ações para aluguel de armas, logística, aluguel de casos e sítios. “Eles chegam, dominam quartel e delegacia. Mas hoje em dia esses grupos tentam entrar em cidades maiores, dominam determinados quarteirões mais próximos para fazer o roubo”, disse. Conforme o delegado, são membros geralmente treinados e que vieram de várias partes do país.

“Na época que fizemos a investigação, viajamos o Brasil inteiro. Pegamos pessoas em Manaus, São Paulo, Goiânia, Espírito Santo, Tocantins. Tanto que não havia necessidade de confronto, porque era um trabalho que conseguia pincelar onde estavam as pessoas antes que elas se reunissem para cometer os crimes”, pontuou o delegado aposentado. Antônio Carlos reforçou também sobre a necessidade de investir na inteligência, principalmente para evitar confrontos como aconteceu em Varginha. “Os riscos são grandes e o trabalho da polícia investigativa evitaria isso. O estado só se preocupa quando aperta o calo”, criticou.

Já o tenente-coronel Major Santiago, que é chefe da assessoria de imprensa da PM, explicou que muitas vezes essas pessoas possuem vínculos diretos ou indiretos com facções como PCC, Comando Vermelho, entre outras. “Muitas vezes, alugam armamentos, contratam profissionais específicos como explosivistas, usam esse nível de beligerância e organização”, frisou.

Crime cresceu nos últimos 10 anos

O pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Bráulio Figueiredo, explicou que esse tipo de crime começou a crescer na região Sudeste nos últimos 10 anos. “É relativamente novo comparado aos outros padrões criminais e se caracteriza por esse grupo organizado, com alto poder bélico e muito violento. Existe um certo planejamento das ações, nesse caso em Varginha vimos que estavam altamente preparados, alugaram casa. Por conta do retorno econômico alto, essa modalidade tem crescido”, argumentou.

Conforme o pesquisador, o nome dado à modalidade vem justamente pela tentativa dos criminosos de dominar a cidade com o uso da violência. “De certa forma, há uma atuação padrão no local em que estão atuando. O modus operandi é extremamente cruel, não possuem o menor puder em expor o cidadão comum, usar as pessoas como escudo para se defenderem”, alegou. No Congresso Nacional, um projeto de lei em tramitação inicial busca tipificar o “domínio de cidades” como um dos crimes do Código Penal. O texto prevê pena de prisão que pode variar entre 15 e 30 anos caso o grupo realize o bloqueio de vias, batalhões e usem armas de fogo.

 

 

 

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