Em dois anos de pandemia, mais de 23 mil crianças foram registradas em Minas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento – 4,84% (veja dados abaixo). Levantado pelos Cartórios de Registro Civil de Minas Gerais, o dado aponta um aumento singelo em relação aos últimos anos, mas que impacta a vida de muita gente. Em comparação com os anos pré-pandemia, o aumento da ausência de pai nas certidões tem sido maior, apesar de o número de nascimentos ter caído.
Inédita, a informação revela um problema enraizado: a falta de compromisso de alguns homens. Foi o que aconteceu com Daniela Soares Batista, 36, moradora de Paracatu, no Noroeste do Estado. A terceira filha dela, hoje com 4 meses, veio como uma surpresa, tanto para ela quanto para o pai, que desapareceu ao receber a notícia.
"Fui saber da gravidez dela com seis meses e entrei em contato com o pai. Ele foi calmo, falou que iria me ajudar. Mas, no dia que ela nasceu, ela imediatamente me bloqueou em todas as redes sociais”, relata Daniela, que é dona de casa. Ela perdeu o contato com ex e teve que registrar a criança como mãe solo.
Outro exemplo
Em Uberlândia, no Triângulo, a auxiliar de serviços gerais Tamires Santos de Souza, 32, passou pela mesma situação. O companheiro, com quem tinha relacionamento fixo, sumiu antes do parto.
“Ele pediu que eu desse o filho para a mãe dele criar, lá no Piauí. Cheguei a ir para lá e esperei por 45 dias para ele registrar o bebê, e ele nada”, conta.
“Não tive coragem de abandonar meu filho, como o pai dele fez. Não está sendo fácil, mas a gente consegue. É só correr atrás, um dia o jogo vira”, acredita.
Análise de especialista
Para o psicólogo Fabrício Ribeiro, que é professor universitário especializado em questões das famílias, esse aumento de registros de crianças sem pai envolve razões como a fragilidade das relações atuais e até a morte de homens por Covid. Mas o principal fator é a falta de responsabilização dos indivíduos:
“Somos uma sociedade na qual a figura do homem parece ser menos responsável na criação dos filhos, então temos visto os homens saindo, não se responsabilizando e deixando isso a cargo das mulheres, o que se reflete nessa situação de não registrar os filhos”.
“Os cuidados com o filho sempre ficaram a cargo da mãe. A gente percebe nos exemplos mais simples, até em uma família na qual o pai é participativo”, acrescentou.
Com a palavra, a Defensoria Pública
Coordenadora regional de Famílias e Sucessões da Defensoria Pública de Minas, Carolina Goulart pontua que, na mediação de conflitos, é possível notar uma crescente irresponsabilidade por parte dos homens.
“Quando a pessoa vai se relacionar sexualmente, ela não pensa que daí vai nascer uma criança, por mais óbvio que seja (essa possibilidade). Aí, depois, quando a coisa se concretiza, ele não quer essa responsabilidade”, resume.
Assumir um filho não é opcional
Pela lei, o registro da paternidade em documento pode ser feito espontaneamente ou por meio do exame de DNA. Em caso de recusa para o teste, a Justiça pode acrescentar o nome do pai no documento – ou seja, assumir um filho não é opcional.
Integrante há 11 anos do Mutirão Direito a Ter Pai, realizado pela Defensoria Pública do Estado anualmente, Carolina acredita que o medo da responsabilidade é uma das razões para o preenchimento tardio do nome do pai em muitos registros.
“Esses pais têm a falsa convicção de que não são os genitores, e isso gera essa cultura de que ‘não sou eu, não vou assumir’”, afirmou. E acrescentou: “Mas, no fundo, notamos que há consciência dessas obrigações, dos direitos e deveres decorrentes de um reconhecimento de paternidade, e eles (os homens) se furtam a isso até as últimas consequências”, explica a defensora.