A utilização de dragas na mineração de ouro coloca em risco a qualidade da água, uma vez que as máquinas reviram o leito do rio e levantam sedimentos, principalmente metais pesados. Apesar disso, pelo menos desde outubro de 2021, diversos desses equipamentos estão tomando conta do rio das Velhas, na altura de Rio Acima, na região Central de Minas Gerais e, segundo moradores, sem qualquer fiscalização por parte do poder público. No último sábado (24), pelo menos quatro dragas foram flagradas em imagens enviadas a O TEMPO.
De acordo com um morador do município, que não quis ser identificado, as imagens foram feitas no bairro Cortesia, que fica bem próximo da região central da cidade. "A informação que temos é de que existem várias outras dragas, pelo menos 12, mas não sabemos onde estão exatamente. Essa situação já é recorrente há algum tempo e não estão preocupados em esconder, já que estão minerando aos olhos de todos e percorrendo um grande território entre Rio Acima e Itabirito", contou.
Um outro morador, dono de um sítio há mais de 40 anos na região, detalha que já fez denúncias à Polícia Militar (PM), que chegou a ir até os garimpeiros, porém, eles teriam apresentado um documento com a licença para minerar na região, impedindo qualquer autuação ou prisão por parte da corporação. A corporação foi procurada, mas ainda não confirmou essa informação.
"A própria polícia fica frustrada, pois há autorização da Prefeitura de Rio Acima e, é claro, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), que certamente participou das diligências. Portanto, eles estão permitidos a minerar, assorear e poluir a água. Normalmente nessa atividade usam mercúrio e, depois de recolher o ouro, jogam o resíduo na água ou queimam na própria draga", detalha o denunciante.
A Prefeitura de Rio Acima foi procurada por O TEMPO e informou, por meio de nota, que o plano diretor da cidade não permite garimpo ou extração de areia em áreas urbanas, sendo que o local onde algumas dragas estariam atuando com autorização se trataria de área rural, que está sob a competência do Estado. "O licenciamento para mineração é feito sempre pelo estado, Semad, e pela Agência Nacional de Mineração (ANM)", disse o município.
A reportagem procurou a Semad desde o dia 19 de setembro, tendo questionado sobre a existência das dragas, se elas teriam autorização para atuar e, ainda, sobre o balanço de multas aplicadas por mineração ilegal no rio das Velhas. Nesta quinta-feira (29), a pasta se posicionou informando que "entre 2019 e 2022 foram realizadas 6.161 fiscalizações em atividades minerárias de lavra subterrânea, lavra a céu aberto e extração de areia, cascalho e argila, para utilização na construção civil, onde foram constatadas 1.357 infrações em Minas Gerais".
"Em Rio Acima, em 2022, foram realizadas três fiscalizações com infrações ambientais. No mesmo município foram realizadas, em 2019, 7 fiscalizações e constatadas 2 infrações; em 2020 foram 3 fiscalizações e 1 infração. Em 2021, 6 fiscalizações sem infrações", afirmou em um dos trechos.
A ANM também foi procurada e ainda não se posicionou.
Situação era denunciada desde outubro
O problema dos garimpos no local não é novo. Em outubro de 2021, a situação já havia sido denunciada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas) e, passado quase um ano, a extração continua a todo vapor. Na primeira matéria divulgada pelo comitê já se falava sobre peixes que sumiram do rio e maior turbidez da água.
"Ainda que sejam dragas de pequeno porte, percebemos claramente que a água fica barrenta pela manhã e clareia no fim da tarde e nos finais de semana. Nesta época do ano, com pouca chuva, o rio das Velhas fica bem claro, dando para enxergar o fundo, mas não com toda essa mineração", disse um dos moradores que conversaram com a reportagem.
Rio abastece 2,4 milhões de pessoas na Grande BH
A Copasa informou que o rio das Velhas é utilizado na captação da água que abastece aproximadamente 2,4 milhões de pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte.
"A fiscalização ambiental das atividades desenvolvidas na bacia do Rio das Velhas é de responsabilidade dos órgãos ambientais e da polícia ambiental. A Companhia esclarece ainda que não registrou alteração em sua captação, que está operando normalmente", completou a companhia.
Integrante do projeto Manuelzão, Marcos Vinícius Polignano destaca que o rio das Velhas já é altamente impactado, assoreado e tem problemas anualmente com enchentes. "Qualquer intervenção no leito, sem nenhum tipo de planejamento, é sempre um problema e um grande risco. A gente vê com muita preocupação essa história, pois a draga mexe o leito do rio, que já tem uma baixa profundidade, e essas situações podem provocar danos sérios na morfologia, trazendo consequências graves", argumenta.
Ele destaca ainda que, além disso, todo o ecosistema aquático é prejudicado pela atividade, interferindo na biota do rio. "A gente tem muita preocupação com essas ações sem controle, sem nenhum tipo de análise mais profunda para saber os efeitos", finalizou Polignano.
Nota da Semad
"A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que entre 2019 e 2022 foram realizadas 6.161 fiscalizações em atividades minerárias de lavra subterrânea, lavra a céu aberto e extração de areia, cascalho e argila, para utilização na construção civil, onde foram constatadas 1.357 infrações em Minas Gerais. Foram aplicadas, de 2019 a 2022, com relação às denúncias apresentadas, R$ 50.441,83 em multas.
Em Rio Acima, em 2022, foram realizadas três fiscalizações com infrações ambientais. No mesmo município foram realizadas, em 2019, 7 fiscalizações e constatadas 2 infrações; em 2020 foram 3 fiscalizações e 1 infração. Em 2021, 6 fiscalizações sem infrações.
Em relação às denúncias de extração ilegal de ouro, a Semad informa que foi identificado pelas equipes de fiscalização apenas um responsável por realizar atividade irregular deste tipo na área, o sr. Nilvo Ramos Batista Filho. Em 2019 e em 2020, ele foi autuado por instalar, construir, testar, funcionar, operar ou ampliar atividade efetiva ou potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente sem a devida licença ambiental e por desenvolver atividades que dificultem ou impeçam a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação e dragar para fins de extração mineral, nos cursos d’água ou em áreas aluvionares, sem outorga. Na ocasião, houve embargo e suspensão de atividades.
Atualmente, a Semad e suas entidades vinculadas (Feam, IEF e Igam) têm 665 servidores ativos credenciados para as atividades de fiscalização. A Semad mantém também convênio com a Polícia Militar de Meio Ambiente que conta com cerca de 1.000 militares para atuarem na fiscalização ambiental".
Matéria atualizada às 16h48