Enquanto todo o país acompanhava as primeiras cenas da tragédia provocada pelo coronavírus na Itália e na Espanha, com corpos enfileirados nos hospitais e famílias privadas de qualquer contato, o Brasil enterrava, em março, a sua primeira vítima da doença: Edson Aparecido, de 62 anos, que era diabético e não tinha histórico de viagem ao exterior. E, 36 dias depois, o vírus avança e começa a repetir nas Américas imagens antes restritas às cidades europeias, inclusive em território brasileiro, como em Manaus (AM).

Apesar da evolução diária no número de óbitos, que já se aproxima dos 3.000, conforme o Ministério da Saúde, a taxa de mortes provocadas pelo coronavírus a cada 100 mil habitantes ainda é menor no Brasil – 1,30 óbito para cada grupo de 100 mil pessoas – quando comparada com a de países como os Estados Unidos, que apresentavam taxa duas vezes maior (2,59) 36 dias depois da primeira morte. 

Na Itália e na Espanha, países com mais mortes por 100 mil habitantes, as taxas eram 16,6 e 31, respectivamente, em igual período. Em relação à França, a taxa é de 0,67, metade da brasileira.

Já na comparação com locais que tiveram mais sucesso no controle da pandemia, como Coreia do Sul e China, a taxa brasileira de mortes chega a ser até dez vezes maior. Os dois países asiáticos tinham 0,10 e 0,26 morte por 100 mil habitantes, respectivamente. 

O levantamento foi realizado pelo jornal O TEMPO por meio dos balanços divulgados pelo Ministério da Saúde. Para realizar a comparação, foram analisados os dados da doença no 36º dia de pandemia de cada país. Veja os números abaixo:

Efeito do isolamento social

Para o professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) Alexandre Celestino Almeida, doutor em análise computacional de epidemias, o país conseguiu achatar a curva da evolução do coronavírus devido ao isolamento social, adotado antes em relação a Itália, Espanha e EUA. Porém, o especialista ressalta que não é o momento de relaxar.

"Na realidade, estamos com um índice de isolamento na casa dos 50% da população e, por isso, é importante manter as escolas, shoppings e outros locais de aglomeração fechados. O número ainda é baixo, comparado a evolução de mortes com a Argentina, por exemplo. Lá, a evolução está parada, e aqui o número aumenta todos os dias", enfatiza.

De acordo com Celestino, a manutenção das medidas de restrição vai evitar um colapso no sistema de saúde. "Cada morte significa que alguém passou por um leito. É preciso continuar com a curva achatada, já que há um temor de ultrapassar a capacidade da rede. Na Itália, quando isso aconteceu, a mortalidade saiu de 5% para 10% dos infectados", ressalta.

O professor lembra ainda que o Brasil não chegou ao pico da doença, apesar de alguns Estados enfrentarem problemas graves, como São Paulo, Rio de Janeiro, Amapá e Amazonas. "Em epidemias é muito comum isso acontecer, as pessoas acharem que o pior já passou e começarem a relaxar. Isso faz com que a próxima onda da doença venha mais forte", explica.

Mortalidade menor

Com mais de 22 milhões de habitantes, Minas Gerais é o segundo Estado mais populoso do Brasil e, mesmo assim, apresenta uma taxa de mortes pequena, de apenas 0,2 óbito por 100 mil habitantes – o índice é quase 85% menor que a média nacional. Em Belo Horizonte, o número é de 0,36. 

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), André Ricardo Araújo da Silva diz que o dado chama a atenção. "Estados densamente povoados tendem a ter uma circulação maior do vírus, como Rio de Janeiro e São Paulo, mas Minas tem sido poupada em relação a isso. O número de casos e óbitos é bem menor", enfatiza.

Conforme o especialista, o isolamento social tem funcionado bem no Estado e serve, principalmente, para dar tempo aos governos de conseguirem criar leitos extras de UTI e comprar materiais. "As unidades sempre estavam cheias em qualquer época do ano, é difícil conseguir vaga. O que tem que ser feito é abrir novos hospitais para dar um suporte maior e, quando se consegue um número bom de vagas, é possível flexibilizar", defende.

Mas, para isso, o professor enfatiza também a importância de se fazer uma testagem em massa na população, por meio de amostragens, o que ajuda a entender a proliferação do vírus. "Dependendo da região, que não teve nenhum caso e tem uma estrutura hospitalar razoável, é possível fazer a flexibilização. E paralelo a isso, medidas como limitar o número de pessoas nos estabelecimentos, principalmente", complementa.