Minutos que já duram 5 anos

'Tenho vontade de mudar', diz moradora mais antiga de Córrego do Feijão

Dona Vica, de 80 anos, lembra com muitos detalhes dos primeiros instantes após o rompimento que mudou, para sempre, a vida da comunidade

Por José Vítor Camilo
Publicado em 25 de janeiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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Aos 80 anos, Genoveva de Souza, mais conhecida como “dona Vica”, foi apresentada como a moradora mais antiga do distrito de Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde ficava localizada a barragem que se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019. A idosa contou com naturalidade que a casa onde cresceu, construída por seu avô, foi uma das dezenas que acabaram engolidas pela lama. 

A relação da comunidade com o minério é tão antiga que dona Vica nem sequer consegue se lembrar de como era o lugar antes da chegada da mineração. A Vale é a terceira mineradora a atuar na mina. “Desde que me entendo por gente tinha mineradora aqui. Foi mudando de nome, e a última foi a Vale. Eu e meu marido trabalhamos a vida inteira na roça, mas depois ele foi trabalhar na Ferteco, e o meu filho aposentou na Vale”, detalhou. 

A idosa se lembra com detalhes do dia em que a vida no distrito foi completamente alterada pela tragédia. “Estava rastelando meu terreiro, colocando fogo nas folhas, quando ouvi aquela ‘estraladeira’. Foi na hora que ela rompeu. Nisso, veio um vento, e, como o calor estava muito, eu até gostei. Nem sabia o que era. Mas aí comecei a ouvir uns gritos, achei esquisito e corri para ver. Aí, vi os postes tremendo, os fios sacudindo. O pastor gritava demais, passavam umas pessoas correndo de moto, foi aí que falaram que a barragem tinha rompido”, recorda. 

Dali para frente, teve início o momento mais traumático, com a chegada de centenas de corpos nos helicópteros. “Saía aquele tanto de caminhão frigorífico grande. Muito tumulto mesmo. Sou bem forte com as coisas, mas achei que fiquei esquecida, meio agitada, fiquei um pouco diferente. Tudo mudou, não é mais o que era. Fico sem saber se fico. Até tenho vontade de me mudar daqui, vender a casa”, finalizou a moradora, um pouco desesperançosa. 

Viúva diz que Vale fez "funcionários de minério"

Técnico de planejamento de manutenção elétrica da Vale com 18 anos de “casa”, Adriano Lamounier, 54, foi um dos soterrados pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Cerca de uma hora antes de perder a vida, ele conversou com sua esposa, Kenya Lamounier, 56, com quem foi casado por 32 anos e teve dois filhos. 

“Conversamos coisas normais de casa, do dia a dia. Ele estava tranquilo, não percebi nada de diferente. Mas eles (funcionários) tinham muita confiança na Vale. Quando aconteceu em Mariana, muita gente perguntou sobre isso, e ele garantia que lá (mina Córrego de Feijão) não tinha esse risco, pois a barragem já não era mais utilizada”, lembra Kenya.

Também integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão em Brumadinho (Avabrum), Kenya pontua que, nos cinco anos desde a tragédia, todos os momentos foram difíceis para ela e os filhos. 

“É uma família que foi destruída, né? A morte já é um processo difícil para qualquer pessoa, mas, quando chega dessa forma, com um crime até hoje sem punição, fica mais difícil. Tudo nessa morte foi horrível: todo o tempo de espera para ser encontrado; o caixão vazio para ser enterrado; a injustiça. As mortes ali foram violentas. A Vale fez dos funcionários minério, e ela está minerando todos eles”, concluiu a esposa de Adriano.

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