
Prevenção
Atenção e carinho redobrados: como lares de idosos têm reagido ao coronavírus
Nas chamadas ILPIs, recomendação é que visitas permaneçam suspensas para evitar contaminação; não há registros de casos suspeitos em instituições de BH

Com a pandemia do coronavírus, um dos maiores alertas é para a população idosa. A última atualização do Ministério da Saúde, divulgada em coletiva nessa terça (31), apontou que 89% dos óbitos em decorrência da Covid-19 no Brasil engloba pessoas acima dos 60 anos. Os números mundo afora também dialogam com a estatística brasileira em relação a quem se enquadra nas maiores taxas de letalidade da pandemia. Com isso, é necessário um olhar especial sobre as Instituições de Longa Permanência de Idosos (ILPIs), que concentram pessoas pertencentes ao grupo de risco.
Em balanço divulgado pelo Ministério da Saúde espanhol no último fim de semana, tem-se que 95% dos casos de óbitos no país foram de pessoas acima dos 60 anos. E, ainda, com uma taxa de letalidade crescente: 2,6% dos 60 aos 69; 8,9% dos 70 aos 79; 19,5% dos 80 aos 89 anos e 24,3% acima dos 90 anos. Uma pesquisa do Instituto Superior de Saúde (ISS) apontou que a média de idade dos mortos por Covid-19 na Itália é de 79,5 anos. Já nos EUA, 80% das vítimas mortas têm sido de idosos.
Essas e outras observações chamam a atenção para as ILPIs, os lares de idosos. Em Minas Gerais, muitas têm adotado o isolamento, evitando visitas de amigos e familiares, além de uma série de medidas de higiene para evitar a contaminação pelo coronavírus. Esse é o caso do Lar dos Idosos São José, iniciativa filantrópica no bairro Olhos D'Água, região Oeste de Belo Horizonte.
"Desde o dia 16 de março nós fizemos uma reunião técnica e decidimos suspender todas as visitas, atrações, eventos e tudo que estava na agenda dos idosos. Demos treinamento para as funcionários e para os idosos a respeito da higienização. Reforçamos também os EPIs dos funcionários. Vamos vencer isso", relata Ivanilde Estrela, coordenadora do lar, que acolhe atualmente 91 idosos e pertence ao Sistema Divina Providência.
Se o idoso por si só já se enquadra no grupo de risco, residentes dessas instituições ligam ainda mais o alerta, como comenta Marco Túlio Cintra, médico geriatra, professor da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Minas Gerais.
"A saúde no idoso não é termo de doença. Claro que em casos de diabéticos e hipertensos, por exemplo, tem mais riscos, mas o principal motivo, o principal determinante de saúde no idoso é ter ou não independência. Se o idoso sai de casa sozinho, cuida da vida dele, é autônomo e independente, geralmente não precisa morar nessas instituições. Quem está lá, em sua maioria, são os mais dependentes, mais debilitados, que estão num risco maior ainda. O idoso é grupo de risco, mas os que estão lá dentro são ainda de maior risco", aponta o médico.
Não há números atualizados e constantemente consolidados da quantidade de ILPIs no Brasil. Um estudo divulgado em 2016 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) localizou 3.548 instituições no território brasileiro. De acordo com a pesquisa, na época, 65,2% correspondiam a instituições filantrópicas, religiosas e leigas. As privadas correspondiam a 28,2% do total, com apenas 6,6% das instituições brasileiras sendo públicas ou mistas, predominando as municipais.
Afeto não pode faltar
A principal medida para evitar que o coronavírus contamine idosos das ILPIs é o isolamento social desses grupos. O carinho e o laço afetivo, no entanto, são fundamentais para o bem-estar dos idosos. Neste momento, em que a saúde deles precisa ser preservada, Marco Túlio alerta para a necessidade de manter fomas de contato.
"O isolamento social é físico, mas não precisa ser emocional. Os familiares podem buscar outros tipos de contato, como ligações e chamadas de vídeo. Especialmente crianças. A presença efetiva é agradável para o idoso e isso pode ser mantido, especialmente com a tecnologia. É possível encontrar maneiras de estar presente, mesmo não fisicamente. Muitos idosos, geralmente, já recebem poucas visitas, por isso é importante manter esses laços afetivos, apesar do afastamento.
"Nós fazemos todos os dias com chamadas de vídeos para os idosos. Eles sentem muita falta, então ficam tristinhos. Então assim vamos levando, pra tentar que isso não seja tão triste para eles. Mas é muito difícil, tanto pra eles quanto para nós. Temos o convívio muito próximo com eles, é o toque, o abraço, o beijo. Temos esse carinho com eles, mas agora estamos mais afastados", conta Ivanilde, do Lar dos Idosos São José.
O que dizem a PBH e o Estado?
Consultada, a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que "orienta com as medidas de prevenção como lavar as mãos com frequência, utilizando água e sabão ou álcool em gel. Ainda que, se possível, (medidas como) evitar aglomerações, manter os ambientes ventilados e não compartilhar objetos pessoais também sejam adotadas pelas pessoas que vivem em comunidades". A SES não deu retorno sobre o questionamento de quantas ILPIs têm no Estado nem se há casos suspeitos nessas instituições.
Já a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que "tem orientado as entidades parceiras que executam os serviços de acolhimento de idosos a reforçarem medidas de prevenção à propagação ao contágio do Covid-19 nas unidades, visando à proteção dos usuários e trabalhadores. Entre as medidas estão intensificar medidas de higiene, utilizar máscaras e álcool em gel, não utilizar utensílios compartilhados, manter todos os ambientes arejados, evitar contatos de toque entre trabalhadores e entre eles e os usuários, garantindo a postura acolhedora e cuidadosa que permeia o trabalho. Além disso, estão suspensas qualquer visita às unidades, evitando a circulação de pessoas".
Segundo a PBH, a rede conveniada com a prefeitura é composta por 27 unidades, sendo 24 ILPIs parceiras e uma república, disponibilizando 906 vagas para idosos a partir de 60 anos. Informou, ainda, que atualmente há 733 idosos acolhidos por essa iniciativa. Questionada se há casos suspeitos de Covid-19 nas ILPIs, a PBH informou que nenhum foi identificado.
Além disso, que tem redobrado "o cuidado no monitoramento de idosos que possam apresentar algum dos sintomas da Covid-19. No caso de usuários com sintomas gripais, foram adotadas preventivamente medidas de isolamento, conforme recomendações das autoridades de saúde. As unidades de acolhimento seguem em diálogo permanente com a Secretaria Municipal de Saúde".
A PBH comunicou sobre uma frente de atuação em conjunto com o Conselho Municipal do Idoso, que, via Fundo Municipal do Idoso, vai disponibilizar aproximadamente R$ 3 milhões para o aporte imediato à rede de acolhimento para idosos, tendo por referência o valor de R$ 3.000 por idoso acolhido.
Iniciativa
Atenta ao panorama das ILPIs no Brasil, uma equipe voluntária e multidisciplinar criou o projeto ILPI.me, que consiste em um plano de ação para capacitar profissionais que lidam com os idosos nessas instituições. Esse plano foi idealizado, inicialmente, pela parceria existente entre a MedLogic, startup especializada na atenção aos idosos, e a Casa Ondina Lobo. Atualmente, conta com apoio dos núcleos de geriatria e gerontologia da USP e da UFMG, liderados pelos professores Edgar Nunes e Wilson Jacob.
O grupo de trabalho da ILPI.me tem uma composição diversa. Ao todo, são 26 integrantes, entre médicos, professores, psicólogos, publicitários, enfermeiros, engenheiros, assistentes sociais, fisioterapeutas e profissionais da área de gestão de negócios. A ILPI.me elaborou cinco passos, consideradas ações importantes para as instituições: preparação dos profissionais, compra de insumos de proteção e comunicados aos idosos residentes, aos familiares e à sociedade.
"Os fundadores da iniciativa são do meio privado ou acadêmico e já se relacionam e apoiam as ILPIs há muitos anos. Quando percebemos o tamanho do problema das instituições (em sua maioria com dificuldades financeiras, déficit de profissionais, despreparo técnico), tínhamos que fazer algo. O plano de ação também busca compreender as necessidades das ILPIs, articular contato positivo com o poder público e com os meios de comunicação para que as necessidades prementes das instituições ganhem visibilidade", conta Daniel Melo, CEO da MedLogic.
Ministério Público
Na última semana, o Ministério Público emitiu uma relação de 16 recomendações que devem ser seguidas pelas ILPIs. Segundo a Promotoria de Justiça de Defesa dos Idosos e das Pessoas com Deficiência de Belo Horizonte, o não cumprimento das orientações importará na adoção de medidas judiciais no intuito de resguardar os interesses dos idosos institucionalizados nas ILPIs da capital.
Confira, na íntegra, as recomendações do Ministério Público
1) Restringir visitas aos idosos residentes a situações emergenciais pelo período necessário, visando manter a integridade da saúde deles. Nos casos em que for imprescindível, a visita deverá ocorrer em área externa, devendo os visitantes utilizar máscaras, não manter contato pessoal com os idosos e permanecer a uma distância considerada segura;
2) Restringir visitas de instituições e grupos que realizam atividades com os idosos;
3) Não promover comemorações que importem na aglomeração dos idosos com o público externo;
4) Manter familiares e responsáveis pelos residentes informados, por meio de contato telefônico e outro meio hábil, das condições de saúde deles;
5) Informar os residentes acerca das medidas que deverão ser adotadas pela instituição para evitar a disseminação do vírus entre os idosos residentes no local, buscando medidas para amenizar o isolamento que se impõe (contato por redes sociais, telefone, internet), inclusive acompanhamento psicológico;
6) Garantir que todos que ingressarem na instituição (profissionais, familiares, entre outros) realizem procedimentos recomendados de higienização e adotem a etiqueta respiratória (cobrir a boca e nariz com o cotovelo ao tossir, entre outras medidas);
7) Evitar saídas desnecessárias dos residentes da instituição;
8) Aumentar a atenção acerca das comorbidades dos idosos residentes;
9) Manter os ambientes arejados, com ventilação e iluminação naturais, restringindo o uso de condicionadores de ar a casos estritamente necessários e eventuais;
10) Manter a distância entre as camas na forma recomendada, de modo a prevenir o contágio;
11) Intensificar o cuidado com a higiene do local, mormente quanto à limpeza de maçanetas, portas, banheiros e outras áreas de uso comum dos residentes, bem como adotar as medias necessárias para a higienização de louças e roupas, na forma das normativas vigentes;
12) Garantir que todos os funcionários tenham acesso e utilizem EPIs (luvas, máscaras, entre outros);
13) Atualizar a situação vacinal dos residentes colaboradores, notadamente no que se refere à influenza, através da unidade de referência mais próxima. O início da vacinação dos idosos deve ocorrer o mais breve possível, nas dependências da ILPI;
14) Sendo observada a apresentação de sintomas compatíveis com a Covid-19, o idoso deverá ser mantido isolado dos demais, instensificando os cuidados para evitar a transmissão. Deverão ser adotadas o mais breve possível as providências necessárias no tocante à saúde, de modo a resguardar os demais residentes;
15) Observar as medidas preventivas e de conduta previstas na Declaração da Organização Mundial da Saúde de Emergência em Saude Pública, bem como as orientações expedidas pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) em relação aos cuidados especiais a serem dispensados à população com idade superior a 60 (sessenta) anos de idade;
16) Promover o treinamento contínuo da equipes de profissionais para lidar com as medidas preventivas e de conduta, estabelecidas nas normas citadas acima, pelo período que se fizer necessário.
