Pesquisa

Médicos relatam pressão para prescrever remédios sem comprovação científica

Para 69,2% desses profissionais, notícias falsas, informações sensacionalistas ou sem comprovação técnica são inimigos que hoje enfrentam simultaneamente à pandemia

Por Folhapress
Publicado em 07 de julho de 2020 | 19:54
 
 
 
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Quase a metade (48,9%) dos médicos que estão na linha de frente do atendimento à Covid-19 afirma que pacientes e familiares têm pressionado por tratamentos sem comprovação científica.

Para 69,2% desses profissionais, notícias falsas, informações sensacionalistas ou sem comprovação técnica são inimigos que hoje enfrentam simultaneamente à pandemia.

Os resultados são da terceira edição de pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) sobre problemas e carências dos médicos durante a pandemia. 

Responderam a questionários online 1.984 profissionais de todo o país. Desses, 60% trabalham em hospitais e/ou unidades de saúde que assistem a pacientes com Covid-19.

Segundo o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, a pressão por acesso a terapias que julguem necessárias é um direito que o paciente tem e deve exercer. "Por outro lado, o médico também tem o direito de fazer aquilo que achar correto e deve exercer esse direito também. Resistir às pressões faz parte da medicina, da profissão médica", disse.

Ele conta que, minutos antes de atender ao telefonema da reportagem, havia recebido a ligação de uma amiga perguntando se ele conhecia algum médico que prescreve cloroquina. “As pessoas estão procurando um receitador disso e daquilo, não um médico. Isso não é bom. Cada coisa tem o seu lugar”, afirmou.

Sobre as informações falsas, Amaral diz que desde os tempos mais remotos isso ocorre durante as grandes epidemias. “O que chama atenção é que hoje temos uma grande ciência desenvolvida. Imaginávamos que ela daria a resposta, mas não é o que está acontecendo”, disse.

O médico sanitarista Claudio Maierovitch, coordenador e pesquisador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde da Fiocruz Brasília, diz que tem sido espantosa a pressão de pacientes pelo uso do antiparasitário ivermectina. “Parece que deu uma arrefecida a cloroquina, acho que ficou insustentável (em razão das últimas evidências contrárias). Agora é todo mundo falando em ivermectina. As pessoas ligam perguntando se podem tomar. Eu brinco: para matar piolhos?”

O problema, segundo ele, é que a dose segura da substância como parasiticida é bem inferior à que vem sendo inadvertidamente sugerida para a prevenção ou casos leves de Covid-19: “É uma dose que pode ser perigosa, não tem estudo, descrição de efeito nesse tipo de dose”.

Segundo Ronaldo Zonta, médico de família e comunidade de Florianópolis (SC), o mais grave é que a ivermectina, a cloroquina e outras medicações sem comprovação na Covid-19 têm sido prescritas por médicos, o que, na visão do paciente, traz mais credibilidade, apesar da falta de evidências. “Embora seja uma decisão que precisa ser compartilhada com o paciente, num momento de poucos recursos e com a pandemia ainda curso, não faz sentido deixar de investir no que funciona e priorizar tratamentos sem evidências que vão onerar o sistema de saúde”, disse.

Investir em que funciona no caso seria testar precocemente as pessoas, monitorar as que tiverem resultados positivos para a Covid-19 e garantir o acesso aos serviços de saúde, com UTIs bem-equipadas.

Para ele, médicos que estão endossando a prática de prescrição fora das evidências estão jogando a medicina no lixo: “Estamos fazendo um experimento em nível nacional com cobaias humanas”.

Reclamação

Segundo a pesquisa da APM, 45,4% dos médicos entrevistados têm a percepção de que o Ministério da Saúde tem divulgado número menor de novos casos de Covid-19 que a realidade. Outros 21,5% entendem que o número de mortes também é inferior ao que de fato ocorre.

Grande parte dos profissionais (59%) também se queixa de falta de estrutura física/insumos adequados e segurança. Para 25% deles, também há lacunas de diretrizes e de orientação ou programa para atendimento dos infectados.

A falta de leitos para pacientes que precisam de internação em UTI é apontada por 13,4% dos entrevistados. Já a escassez de testes de diagnóstico é mencionada por 15,1%. Outros 22,7% dizem que só são testados pacientes com sintomas graves de Covid-19.


“Já deveríamos ter superado essa falta de testes. Se queremos flexibilizar a quarentena, é importante ter testes para todo com manifestações”, afirma Amaral.

Os sentimentos hoje que predominam entre os médicos da linha de frente são ansiedade (69,2%), estresse (63,5%), exaustão física/emocional (49%), além de sensação de sobrecarga (50,2%).

A grande maioria (76,3%) atende por dia 20 ou mais pacientes com suspeita e/ou confirmação de Covid-19. Quatro em cada dez já acompanharam pacientes que morreram em razão da doença.

Em relação à violência, 37% confirmam ter presenciado, durante a pandemia, situações de agressões a médicos, outros profissionais ou colaboradores administrativos nas áreas de atendimento. Entre as mais comuns estão truculências psicológicas (21,5%) e verbais (20,7%).

 

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