Grande parte da crescente valorização da obra de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), que morreu aos 27 anos, de overdose, se deve ao fato de seus trabalhos não serem datados, permanecendo atuais. Pieter Tjabbes, curador da mostra em cartaz a partir de sábado no CCBB, compara o processo criativo do pintor com os fluxos de informação típicos da cultura digital.
“O pensamento de Basquiat era completamente aberto. Quando estava criando, ele não deixava o olhar completamente focado. Tudo o que acontecia à sua volta poderia acabar aparecendo no seu trabalho. Dessa forma, surgia uma composição baseada em fragmentos, e essa noção é algo que diz muito do modo como funciona a nossa sociedade. Nós somos bombardeados com informações muitas vezes sem origem, sem assinatura, mas que nos exigem uma reação imediata; se não, aquilo se perde e o assunto já morre”, diz Tjabbes.
Além de pintor, Basquiat também era músico, algo que herdou do pai – um aficionado por jazz. O artista teve uma banda chamada Gray, e seu nome é inspirada no título do livro “Gray’s Anatomy”. O volume de referência para os estudantes de medicina lhe foi entregue pela mãe, quando ele tinha seis anos e se recuperava no hospital de um atropelamento. Um exemplar do livro vai estar em exposição ao lado de outros, como uma obra sobre o renascentista Leonardo da Vinci, que era admirado por Basquiat.
“‘Gray’s Anatomy’ tem uma influência grande no trabalho dele. Basta ver que em muitos dos seus quadros há referências à anatomia humana”, pontua Tjabbes. Ele também ressalta que Basquiat costumava pintar ouvindo música e com a TV ligada. Vários elementos do que escutava no toca-discos ou via na TV eram levados para as telas. “Os quadros eram formados como colagens, seguindo a lógica da associação. Uma ideia vai puxando a outra, de maneira que, às vezes, o resultado parece algo desconectado, mas que para ele faz sentido”, comenta Tjabbes.
Outro aspecto da linguagem de Basquiat sublinhado pelo curador é o uso que o artista fez de características do grafite, como a bidimensionalidade e a rapidez dos gestos. “Basquiat não era grafiteiro e deixava isso claro em suas entrevistas, mas ele se nutria bastante dessa linguagem. O grafite nasce na década de 70, e Nova York, naquele momento, era muito grafitada. Ele tinha um contato físico com esse elemento diariamente na cidade”, observa.
Basquiat, frisa Tjabbes, afirmava que 80% de sua obra era sobre a negritude, embora isso nem sempre apareça de forma explícita nos seus quadros. “Quando você vê a mostra, não descobre isso de forma tão direta. Ele fez algumas obras mais nítidas como forma de protesto. Uma delas é o quadro contra a morte de Michael Stewart, jovem negro espancado pela polícia, que era seu amigo. Mas, geralmente, o conteúdo político é velado”, diz o curador.
A pedido do Magazine, o curador Pieter Tjabbes destacou comentou algumas obras.
Primeiros passos do jovem Basquiat
Além de celebrar o percurso de Jean-Michel Basquiat como pintor, o curador Pieter Tjabbes reforça que a exposição, que será vista em Belo Horizonte até 24 de setembro, também revisita as origens do artista, que aos 17 anos provocava os nova-iorquinos com frases assinadas nos muros da cidade com SAMO (Same Old Shit ou “sempre a mesma merda”, em português).
Serão expostas fotos desses grafismos feitas por Henry Flynt a partir de 57 negativos redescobertos pelo fotógrafo em 2017. “ Basquiat escolhia lugares de grande visibilidade, como a saída de uma boate, e escrevia essas frases junto com outro artista e grafiteiro, Al Diaz. Quando descobriram que eram eles os autores, a brincadeira perdeu a graça para Basquiat, e ele deixou de fazer esses grafismos, que hoje são considerados parte importante de sua trajetória”, afirma Tijabbes.
“Basquiat se recusava a dar valor a elas, mas a gente não pode negar isso. As mostras mais recentes têm recuperado essas frases”, completa o curador.
Programe-se
O quê. “Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi”,
Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (praça da Liberdade, 450, 3431-9400).
Quando. De 4ª a 2ª-feira, das 9h às 21h. Até 24 de setembro.
Quanto. Gratuito.