Em uma entrevista à jornalista e escritora australiana Ramona Koval, o escritor israelense Amós Oz (1939-2018), que neste mês completaria 80 anos, falou sobre memória, história e ficção, entre outros diversos assuntos, em razão do lançamento do livro “De Amor e Trevas” (2002). Afinal, o título, que é considerado sua obra-prima, apresenta uma narrativa que costura referências pessoais e historiográficas, aproximando a autobiografia do percurso da criação do Estado de Israel.
Para ele, a fronteira entre memória e história é, sobretudo, fluida. “Não me preocupei com o valor documental deste ou daquele episódio específico na história. Nunca quis aceitar a diferença entre ficção e não ficção, pois me parece uma distinção muito artificial”, pontuou o autor durante aquele encontro.
Quase seis meses após a morte do escritor, seu legado permanece, assim, instigando leituras sobre o modo como ele trabalhava temas históricos e segue inspirando reedições e lançamentos, como os realizados recentemente pela Companhia das Letras. Além dos novos “Do que É Feita a Maçã” e “Sumchi”, a editora reeditou outros sete títulos, entre eles “A Caixa-Preta” (1993), “Meu Michel” (2002) e “Pantera no Porão” (1999).
Enquanto “Do que É Feita a Maçã” traz uma seleção das conversas entre Amós Oz e sua editora Shira Hadad, em que ele versa sobre seu processo criativo, entre outros tópicos, “Sumchi” se oferece como uma fábula de amor e aventura. O especialista Luis S. Krausz, que é escritor e professor de literatura hebraica e judaica da Universidade de São Paulo, reforça que Amós explorou uma diversidade de gêneros em sua literatura.
“Dentro do romance, ele tentou explorar diferentes conformações: desde o romance epistolar, como encontramos em ‘A Caixa-Preta’, até o romance de memórias, como vemos em ‘De Amor e Trevas’. Eu acho que ele, conscientemente, tentou não se vincular demais a uma única fórmula específica”, comenta Krausz.
Ao ressaltar os temas que permeiam os escritos ficcionais de Amós, o pesquisador também ressalta o olhar predominantemente voltado à configuração da sociedade israelense. “De Amor e Trevas”, contudo, representa uma exceção.
“Até esse livro ele não havia tocado no passado judaico na Europa, o que ele fez revisitando a trajetória de sua própria família. Então, o livro traz toda essa ligação dele com a memória europeia, o que, de certa forma, era um tabu na literatura israelense do século XX”, observa Krausz.