“A Menina dos Olhos de Oyá”, samba que a Mangueira fez para homenagear Maria Bethânia, em 2016, deu luz à trilha que o diretor Márcio Debellian segue em “Fevereiros”, documentário que estreia nesta quinta-feira (31). No filme, Debellian acompanha Bethânia da Sapucaí a Santo Amaro, cidade do Recôncavo Baiano, onde a cantora nasceu. Até hoje, Bethânia passa fevereiro em sua terra natal para participar do rito de Nossa Senhora da Purificação. Como ela canta: “Trabalhei o ano inteiro/ Só para passar fevereiro em Santo Amaro”.
“Fevereiros” segue Bethânia neste ritual que todo ano ela segue, por ser parte de sua fé, de sua religiosidade e de sua arte, mesmo que estar ali seja algo, por vezes, dolorido. “Sem meu pai ficou difícil; sem minha irmã, muito difícil; sem minha mãe, dificílimo”, afirma a artista no filme. E, aos poucos, o espectador embarca nesta nostalgia, nessas memórias de uma infância marcada por momentos felizes, arteiros e de espiritualidade.
“O filme foi naturalmente tendo esse lugar de discutir religiosidade, de mostrar como ela se relaciona com a fé, como a família dela se relaciona com a fé”, fala Debellian, que teve a ideia de fazer um documentário sobre a Bethânia quando a Mangueira anunciou que a baiana seria a homenageada da escola em 2016. “Achei que seria algo interessante e, quando vi esse recorte religioso, achei mais ainda”, fala Debellian. “Isso porque o samba carioca vem muito desse samba do Recôncavo Baiano, do candomblé. Imaginei que seria um arco histórico interessante para começar a trabalhar”.
E realmente é interessante ver Bethânia entre esses elementos de fé. Devota de Nossa Senhora – porque, nos seus pensamentos de menina, Deus dava um pouco de medo e Maria tinha a maternidade a seu favor –, a cantora passeia pelas ruas de Santo Amaro com a força de quem bebe daquela força do ritual católico, mesclado com as tradições caboclas, que é bonito de ver.
Uma cena em especial mostra essa mescla de culturas e religiões, quando as baianas de Santo Amaro lavam as escadarias da igreja, enquanto as baianas da Mangueira lavam a Sapucaí. “Caetano diz que a Mangueira é onde o Rio é mais baiano. E achei essa imagem das baianas muito emblemática”, afirma Debellian. “Dá dimensão desse foco baiano de resistência cultural no Rio e traz essa tradição do candomblé para dentro do carnaval”.
Para contar essa história, “Fevereiros” conta com interessantes imagens de arquivo que focam não só Bethânia, mas também figuras importantes na Bahia e na trajetória de vida da cantora como Jorge Amado e Dona Edith do Prato. “Foram dois anos de pesquisa para mostrar que o Brasil é mestiço. Somos todos imigrantes, há uma junção de culturas e nossa força vem de respeitar essas raízes e louvar as diferenças”, diz o diretor.