Uma das melhores séries do ano, “Killing Eve” tem várias cenas impecavelmente escritas e atuadas. A melhor delas é provavelmente quando a psicopata Villanelle (Jodie Comer) invade a casa da agente Eve (Sandra Oh). No meio do diálogo cheio de tensão e ameaças que se estabelece entre as duas, a assassina para de repente e fala: “Desculpa, mas eu tenho que te perguntar uma coisa: isso que você está usando é um suéter por cima de uma blusa ou uma blusa que parece um suéter?”.
É absolutamente genial e hilário porque é a última coisa que você espera ouvir – e porque é exatamente o que Villanelle estaria pensando naquele momento. E isso é humor: a subversão de expectativas com o inesperado, e a exploração dos aspectos mais nonsense da personalidade humana.
E é justamente isso que falta em “Uma Quase Dupla”. A comédia nacional que estreia nesta quinta-feira (19) parte de uma fórmula velha do gênero – a dupla de policiais de personalidades opostas. Mas esse não é o seu problema, e sim o fato de que o filme escolhe sempre as piadas mais óbvias e previsíveis possibilitadas pela premissa. Como dizem em inglês, os realizadores constantemente tentam apanhar “a fruta mais baixa” no pé.
A trama segue Keyla (Tatá Werneck), policial carioca linha dura, enviada à pequena Joinlândia para investigar uma série de assassinatos misteriosos. Lá, ela é obrigada a formar uma dupla com Cláudio (Cauã Reymond), gentil e inexperiente filho de um falecido delegado local, que quer provar estar à altura do legado do pai. Os dois precisam superar as referências culturais e estilos de trabalho opostos para desvendar o caso.
Do Gordo e o Magro e Jack Lemmon e Walter Matthau até a dupla de “Máquina Mortífera”, o choque entre opostos é um dos recursos mais antigos do humor – e Tatá e Reymond têm talento e química para executá-lo. O problema é que o roteiro nunca está à altura deles.
O ator faz o que pode com um personagem insosso, que tenta satirizar o neocaipira interiorano-agroboy. E a comediante busca salvar o filme com seus monólogos nonsense improvisados disparados a 200 km por hora – quem é fã do humor dela vai rir, mas eventualmente até eles ficam cansativos.
A maior fraqueza do roteiro, porém, se revela nos coadjuvantes. O longa tem a chance de subverter os clichês batidos sobre a fauna dos habitantes interioranos, mas desperdiça bons atores, como Louise Cardoso, Luciana Paes e Ary França, em estereótipos vazios e gags visuais dignas do pior do programa “Zorra Total”.
Essa preguiça se desdobra ainda para a realização, com um design de produção e locações televisivos – que não se justificam em uma produção como essa, que tem os maiores orçamentos do cinema nacional. A falta de apuro visual se reflete em momentos bobos, como a primeira noite em que Keyla chega na casa em que está hospedada. Ela é incomodada pelo barulho dos vizinhos, sai e, quando volta, a iluminação da casa está completamente diferente – tentando criar um ambiente de tensão, mas sem nenhum motivo lógico.
Como a trama e a resolução do mistério pouco importam, o diretor Marcus Baldini (“Os Homens São de Marte... E É pra Lá que Eu Vou”, “Bruna Surfistinha”) alicerça todo o filme no carisma de seus dois protagonistas. Se Keyla e Cláudio fossem dois personagens um pouco menos caricaturais e rasos, o esforço de Tatá e Reymond até poderia salvar o longa. Mas seria necessário um milagre que nenhum talento do mundo conseguiria operar.