Dandara Ferreira começou a estudar teatro ainda jovem. Mas na época, uma de suas professoras foi Fátima Toledo. E a aluna começou a mostrar cada vez mais interesse pelo outro trabalho de sua mestre, renomada preparadora de elenco de vários filmes nacionais. A atração das câmeras e sets foi tamanha que “na época do vestibular, decidi que queria estudar cinema”, conta Dandara, admitindo que pode ter sido um desejo herdado no DNA, já que seu pai – o ex-ministro Juca Ferreira, que assume hoje a pasta da cultura em Belo Horizonte – também sonhou em ser cineasta antes de se embrenhar pela política.
Logo que se formou, aos 23 anos, ela começou a trabalhar com vídeos musicais, dirigindo clipes como “As Palavras” e “Segue o Som”, de Vanessa da Mata. O trabalho foi se tornando um tipo de especialização que Dandara não tinha pretendido, mas rendeu a ela a grande oportunidade de sua carreira até hoje. “Eu sempre fui muito fã da Gal (Costa). E sempre me incomodava a falta de material audiovisual sobre ela. Tentei alguns contatos para fazermos um documentário, mas ela sempre desconversava. Só que acabamos nos aproximando, e a equipe dela me convidou para dirigir o DVD de um show”, explica.
O projeto acabou não dando certo, mas Dandara aproveitou a chance para fazer seu xeque-mate: propor um programa de TV sobre a história de Gal Costa. E, incrivelmente, uma das artistas mais reclusas e discretas da MPB disse sim. O resultado é a minissérie “O Nome Dela É Gal”, em exibição na HBO aos domingos, às 22h.
Dividido em quatro episódios de cerca de 1h, o programa vai desde o início, em Salvador, como a baianinha Maria da Graça, “Gracinha”, passando por todas as fases da artista, até o sucesso da turnê do álbum “Estratosférica”, em 2015. “Fiz a proposta num almoço em junho de 2015, e ela estava num período de 50 anos de carreira, 70 de vida, que queria isso”, considera a diretora.
Só que Dandara descobriu, da maneira mais trabalhosa, que “topar” não significava que Gal ia de uma hora para outra abrir o livro de sua vida e se debulhar em revelações em frente à câmera. “Eu achava, na hora que ela topou, que eu teria acesso a tudo, que ia invadir a vida da pessoa. E aí, a cada dia, ela determinava até onde era meu limite ‘daqui você não ultrapassa’”, confessa. O que não quer dizer que não haja verdade na minissérie. “O documentário mostra a personalidade da Gal, reservada. Não dá para querer que ela seja uma pessoa que não é. E ela acabou falando muita coisa que nunca discutiu, como a relação com o pai, que tinha uma outra família”, revela.
Ainda assim, Dandara se comprometeu a focar a minissérie na carreira da cantora, e não em sua vida pessoal. E não pôde filmar na casa, nem teve acesso ao acervo pessoal, de Gal. Para preencher as lacunas, a produção recorreu ao depoimento de uma série de personagens – das amigas de infância Sandra e Dedé até Caetano, Gil, Bethânia, Tom Zé e Nelson Motta – e correu atrás de material de arquivo da época.
“Foi uma pesquisa bem trabalhosa, porque muita coisa no Brasil foi apagada durante a ditadura, então a gente teve que ir atrás de material lá fora”, explica a diretora. Com isso, “O Nome Dela É Gal” conta com uma série de imagens de TVs francesas, alemãs e de Londres que surpreenderam a própria Gal. “Tem uma imagem dela tocando violão na praia que ela não lembrava. Era material inédito de uma TV alemã”, gaba-se Dandara.
A minissérie conta ainda com um emocionante depoimento de Bethânia – que teve um desentendimento com Gal e não fala com ela desde 2012, mas foi a primeira a confirmar sua participação –, afirmando que a conterrânea é “a maior cantora do Brasil”. E traz trechos inéditos de uma autobiografia que a cantora começou a escrever e nunca publicou. “Eu fiquei surpresa com o conteúdo dos textos, muito bem escritos e embasados. Não imaginava que a Gal escrevesse dessa forma”, admite Dandara.
Para a diretora, essa perspectiva – de uma mulher contando sua própria história, por meio do olhar de outra mulher – é a grande força do programa. Não por acaso, seu episódio favorito é o segundo, sobre a fase tropicalista de Gal – não só porque incluem seus discos prediletos da cantora, mas porque é uma das primeiras vezes que se conta a história do movimento de um ponto de vista feminino.
“É uma responsabilidade muito grande contar a história de uma mulher que teve essa importância para a cultura brasileira”, reconhece. E o contato com toda essa potência se revelou contagioso: o próximo projeto de Dandara é um longa documental sobre mulheres empoderadas. “Só que desta vez, fora da música e fora das artes”, ela ri.
Sombra do pai não incomoda diretora
FOTO: Elza Fiuza / Agência Brasil |
Dandara afirma que pai, Juca Ferreira, sonhou em ser cineasta antes de entrar na política |
Orgulhosa da trajetória do pai, Dandara Ferreira afirma não se incomodar quando alguém se refere a ela como “a filha do Juca”. Segundo ela, isso abre menos portas do que as pessoas imaginam, e ela nem se sente obrigada a provar seu talento, porque muita gente nem sabe de seu parentesco “real”. “O Caetano e Gil são amigos do meu pai, mas a Gal, por exemplo, nem conhece ele tanto assim”, afirma.
Baiana de nascimento, ela conta, ainda, que vive há 19 anos em São Paulo. E quando Juca foi nomeado como secretário da cultura da cidade, pelo ex-prefeito Fernando Haddad, a situação – na verdade – foi inversa. Formada em cinema pela conceituada FAAP e tendo trabalhado em diversas produtoras, em contato com diferentes áreas da cultura, Dandara é relativamente conhecida nos meios em que o pai circulou. “Ele me contava que todo dia encontrava alguém que dizia ‘ah, você é o pai da Dandara!”. Eu respondia ‘pois é, agora você está no meu território’”, ela brinca.