Bruno Brum não é um poeta comum. Sua poesia foge dos padrões, passa longe do simples e não carece de muitas explicações. As perguntas abaixo foram retiradas dos temas e das imagens suscitadas pelos poemas do livro “Tudo Pronto para o Fim do Mundo”.
Você ainda acredita mesmo que “ficarmos vivos é o melhor que podemos fazer para contarmos a história”?
Acredito que sim. Em um momento em que a negação da vida é a regra, criar, viver, cultivar a alegria, a liberdade e manter o espírito crítico me parecem as melhores formas de resistência. Caso contrário, a história continuará sendo escrita pelos “vencedores” de sempre.
Por que você diz no poema “O Porcossauro” que ele não está contente?
Porque ele ainda acredita em um modelo de felicidade que nos é vendido todos os dias e que, em última análise, é impossível de se alcançar. Se sente oprimido pelo peso das expectativas, das frustrações, das responsabilidades da vida, da urgência do sucesso e não consegue enxergar meios para se livrar disso. Se sente derrotado dentro dessa perspectiva meritocrática e consumista, predominante nos dias de hoje.
Você já definiu o que vai fazer no futuro, depois que tudo se acabar?
Ainda não. Sou muito apegado ao presente e péssimo em fazer planos.
Quando uma coisa acaba, outra necessariamente começa?
As coisas acabam e começam o tempo todo, não é? Nós sempre tivemos essa fixação com o fim, esse pavor ante a possibilidade de extinção da espécie humana. Diversas culturas fizeram suas previsões de fim do mundo. Cresci com medo que o mundo acabasse no ano 2000. Antes disso, tinha a Guerra Fria, a bomba atômica. Mas a vida é um pouco mais complexa que isso, algumas coisas vão se deteriorando, outras nascem no lugar, outras vão sendo reconstruídas, modificadas.
A sua poesia é simples e objetiva. Toda poesia deve ser simples e objetiva?
Eu persegui a simplicidade e a objetividade durante anos. Foi difícil escrever com clareza e mantendo a tensão formal, no início eu não tinha esse controle. É um exercício constante. Essa busca, no entanto, foi uma escolha minha, e não significa que toda poesia deva ser assim ou mesmo que eu vá escrever dessa forma por tempo indeterminado. A poesia é muito grande, e as possibilidades são inesgotáveis.
A quem você daria os parabéns?
Para os que se recusam a seguir o rebanho.
O que é, para você, sinônimo de sucesso?
O sucesso, normalmente, é identificado com a resposta que os outros dão para os nossos atos. É a lógica da aceitação. Se te aplaudem a todo momento, você é uma pessoa de sucesso. Esse sucesso, para mim, é sinônimo de prisão e logo conduz à ruína.
Você está lançando o seu quarto livro. De onde surge sua inspiração?
Minha inspiração vem da vida. Sem vida não existe literatura, já disseram inúmeras vezes, e eu concordo. O intervalo entre meus livros tem se tornado cada vez maior justamente porque tenho dado um tempo maior para os poemas se impregnarem de vivências. Meu último livro de inéditos foi publicado há oito anos. Nesse tempo minha vida mudou muito, assim como o mundo passou por muitas transformações. Não tenho nenhuma pressa em publicar os meus livros e não vejo sentido em me apegar a uma fórmula e publicar o mesmo livro com títulos diferentes todos os anos. Faço poesia de observação, tudo me influencia: o noticiário, a fala das pessoas na rua, a TV, a música, o cinema, a dança, o teatro, a ciência, o comportamento humano e, claro, a literatura.
Resenha: Poesia que flui como água, que
queima como fogo
O belo-horizontino Bruno Brum, radicado em São Paulo, tem publicados “Mínima Ideia” (2004); “Cada” (2007) e “Mastodontes na Sala de Espera” (2011, vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura). Ele acaba de lançar, pela Editora 34, “Tudo Pronto para o Fim do Mundo”. Cínico, sintético, ele mostra um olhar único sobre acontecimentos e coisas, com uma espécie de espanto diante do caos.
Por mais que não queira, um lirismo descarado também brota em alguns poemas, surge dos duros versos do livro, quando o poeta flagra na rua, por exemplo, uma impávida garrafa de conhaque jogada a esmo, um “sol estilhaçado/ exalando seu perfume.”
Meio zonzo, o poeta sai de labirintos para cair num outro cipoal – e leva, entre puxos e repuxos, o leitor. De um poema a outro, o mesmo susto, a mesma sensação de despertencimento, de inadequação, a mesma vontade de algo que não existe, um misto de raiva e revolta. Brum escreve poemas-crônicas, textos que se ligam com as mesquinharias e as delícias do dia a dia. Uma poesia iconoclasta, mas não menos densa. Imerso em tudo que lhe cabe, ele, de maneira enviesada, não deixa de celebrar e enaltece este nosso estar no mundo, no meio da vida, dentro de um carrossel que roda sem guia e capota sem sentido. Trata-se de um poesia feita de choro, riso, revolta e desejo.
Bruno Brum retém o que pode nas mãos, mas, eis a questão, ele sabe que inevitavelmente tudo vai se perder, pois tudo escorre como água, tudo flui, na maioria das vezes de maneira lenta, cruel, de forma sarcástica. Tudo, até os poemas, é transitório, e os versos do escritor belo-horizontino andam, correm nesta linha tênue entre o ser o não estar mais. Todos os versos estão por um triz, daí, talvez, a beleza desses textos, desses versos que não rimam flores com flores, dores com amores. A vida também é feita de vícios, mágoas, insônias e comida congelada. Mas existem, também, os amigos, que, segundo Brum, lhe ensinaram “a sofrer em silêncio e a rir sem ser notado”. Ele sabe de suas sombras, dos seus demônios e das suas contradições e gosta e não gosta do calor do sol que nos cerca.
Cabe a palavra “sortilégio” dentro da poética de Brum, mas no que esse signo carrega de maquinação e conspiração. O poeta não busca nenhum tipo de redenção, pois ele sabe que não temos escolha e nossas ações diante do caos em nada influem. O poeta tem a consciência das tempestades que se foram e das que se aproximam. E ele, através da poesia, quer se molhar nesse turbilhão feito de afetos e espinhos. Diante dessa vertigem, os poetas fazem isso: “Cavamos túneis no meio do nada e deixamos o tempo falando sozinho. Moldamos pequenos bonecos de neve com bosta de vaca e ficamos no pasto olhando os mosquitos até o amanhecer”.
“Tudo Pronto para o Fim do Mundo”, De Bruno Brum
Editora 34, 80 páginas, R$ 36