Atravessado pela militância em favor dos direitos e (principalmente) das lutas da comunidade LGBT, o artista Rafael Lucas Bacelar – integrante do coletivo Toda Deseo – apresenta seu espetáculo solo “Ser: Experimento para Tempos Sombrios”, dentro da programação da Campanha de Popularização do Teatro e Dança, no Teatro Marília. “Acredito que, se não vivêssemos tempos como esses, meu trabalho (e do Toda Deseo) não teria razão de ser”, pontua Bacelar. Ele certamente se refere aos alarmantes e tristes números da violência contra LBGTs no Brasil.
Com direção de Alexandre de Sena, o trabalho propõe uma experiência poético-performática sobre o corpo e sobre as possibilidades de existência no mundo, perpassada pela linguagem, pelo olhar do outro e pela violência. “Ser” estreou em 2016, dentro do projeto Criações de Bolso, do Sesc Palladium.
Voltar a apresentar o espetáculo em 2019, segundo Bacelar, comprova a atualidade do trabalho. “Todo o processo político, iniciado nas marchas de 2013, sempre foi bastante violento com a gente (LGBTs). Antes de ser candidato, o Bolsonaro já inventou a história de ‘kit gay’ e seu nome foi ganhando força. O que vemos hoje é o ataque institucional de nossos direitos. A pauta LGBT, por exemplo, foi retirada da pasta de Direitos Humanos”, pontua o artista.
Embora sinta o temor da violência na pele, Bacelar entende que “Ser” é um importante mecanismo de discussão de assuntos atuais na sociedade brasileira. “Existe uma grande coragem de ser quem somos no momento atual, mas, por outro lado, eu fico com muito receio pelos meus pares”, destaca ele.
“Agora, em 2019, as opressões tendem a aumentar e as minorias políticas tendem a ser invisibilizadas. O corpo gay do Rafael em cena é atravessado por vários discursos, principalmente pelas questões políticas que se descortinam no país. Isso influencia como esse corpo pode viver e se expressar nesse mundo. Acho importante mostrar essa pluralidade”, pontua David Maurity, integrante do Toda Deseo, responsável pela dramaturgia de “Ser”.
Linguagem. A peça se inspira em algumas referências variadas para compor sua narrativa. Destaque para a obra “Galáxia”, de Haroldo de Campos, e alguns manifestos do artista plástico chileno Pedro Lemebel. “A obra de Campos foi muito importante, porque fala da possibilidade de habitar outros corpos, de outros espaços, de se auto-habitar. Quando pensamos no ser, pensamos nessa figura anterior, do humano. Das pessoas que têm afeto e que corpos são esses”, elabora Bacelar.
Outra marca importante do trabalho é a opção por uma linguagem corporal bastante acentuada. Bacelar atesta que seu trabalho é atravessado pelo teatro, pela dança e pela dança-teatro.
“Eu busquei inspiração no butô de Kazuo Ohno e nos movimentos do vogue”, revela ele. De tal forma, entre a leveza dos movimentos precisos do butô e a força do vogue, a linguagem da peça tenta buscar um equilíbrio de forças. “Imaginei como esses linguagens poderiam dialogar e se complementar. Além disso, tem meu corpo no meio dessa história, sendo provocado e afetado com isso”. Vale lembrar que “No Soy un Maricón”, primeiro trabalho do coletivo Toda Deseo, era um espetáculo de dança. Além disso, todas as criações artísticas do coletivo são pautadas por discussões sobre o universo LGBT.
Serviço. “Ser – Experimento para Tempos Sombrios” está em cartaz no Teatro Marília (avenida Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia). De hoje até dia 24 de fevereiro. Sextas e sábados, às 20h e domingo, às 19h. Ingressos: R$ 10 (antecipado)
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A luta contra a invisibilidade
Rafael Lucas Bacelar mostra a força do teatro engajado do grupo Toda Deseo
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