Com seu segundo longa-metragem, “Temporada”, o mineiro André Novais Oliveira reforça seu lugar de destaque no cinema nacional contemporâneo. O reconhecimento veio mais uma vez no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, no qual a obra foi eleita a melhor da 51ª edição do evento. O título conquistou outros quatro Candangos: o de melhor atriz, para Grace Passô; o de melhor ator coadjuvante, para Russão; o de melhor fotografia, para Wilsa Esser; e o de melhor direção de arte, para o próprio Oliveira.
O filme é marcado pela estreia da parceria do cineasta com a atriz, diretora e dramaturga Grace Passô, que é a única com experiência profissional do elenco. Os demais, até então, nunca haviam atuado no cinema – como é praxe nas obras de Oliveira. Outra característica que se repete no elenco de “Temporada”, em comparação com suas produções predecessoras, é a relação de proximidade entre os atores não profissionais e o diretor. Hélio Ricardo, que faz o papel de agente de combate a endemias, ao lado de Grace Passô, por exemplo, trabalhou com Oliveira no enfrentamento da dengue pelas ruas de Contagem em 2007.
Em seu primeiro longa, “Ela Volta na Quinta” (2014), ele convidou o irmão, Renato Oliveira, para trabalhar como ator, e, no curta “Quintal” (2015), foi a vez de sua mãe, Maria José Novais Oliveira, encarar o papel de atriz. Ambos os atores foram laureados no Festival de Brasília. “Tanto o ‘Temporada’ quanto outros filmes que eu dirigi, apesar de não serem autobiográficos, têm uma questão em comum com a minha vida, do sotaque à questão geográfica, e também de personagens que passaram pela minha vida e de situações que eu vi ou ouvi falar”, conta o diretor.
Por meio dessa estratégia, Oliveira estabelece em “Temporada” e em suas outras obras uma visão para o cotidiano de pessoas residentes em regiões periféricas despida de estereótipos – o que é destacado por Grace Passô. “É um olhar que ele tem para aquele espaço e para aquelas pessoas que não é de quem vê de fora, de quem simplesmente julga, mas é, sobretudo, um olhar de quem é dali”, comenta ela, que frisa, em seguida: “Não dá mais para as nossas narrativas e as nossas histórias serem contadas de uma mesma perspectiva. Não dá para o cinema seguir um universo classista, que, quando está falando da periferia, tem sempre um olhar de fora da periferia”, diz ela.
Entrevista
André Novais Oliveira
Diretor do filme “Temporada”
André, queria que você falasse um pouco das questões que permeiam o seu trabalho e da relação delas com sua vida particular.
Tanto o “Temporada” quanto outros filmes que eu dirigi, apesar de não serem autobiográficos, têm uma questão em comum com a minha vida. Todos os filmes se passam em Contagem, que foi onde eu morei quase a minha vida toda. E tem questões muito familiares: do sotaque, a questão geográfica e também de personagens em comum, que passaram pela minha vida, e de situações que eu vi ou ouvi falar.
Em “Temporada” há outros aspectos ligados à sua história pessoal? Até que ponto isso influenciou o seu trabalho?
Eu trabalhei no combate à dengue por sete meses, em 2007. Os colegas de trabalho da minha época foram fundamentais para eu depois ter histórias para contar sobre esse ofício. Então, isso serviu, nem tanto como um laboratório, mas como uma forma de entender como esse tipo de situação cai na vida de uma pessoa.
Queria você falasse da relação da Grace Passô com os atores não-profissionais, inclusive alguns trabalharam com você no combate a endemias. Como foi dirigi-los e como se deu essa parceria?
No debate (do filme no Festival de Brasília), a Grace falou uma coisa muito interessante: que ela tentou se despir de algumas técnicas para tentar atuar ao lado deles. Eu vejo total a Grace fazendo isso no filme. E vejo que não tem muita diferença na questão de trabalhar como atores profissionais e não-profissionais. No caso desse filme, ensaiava todo mundo junto. Uma forma bem liberada para o improviso também. Então, isso se deu de uma forma muito gratificante. Trabalhar com todo o tipo de atuação possível, mas tentando chegar em um ponto em comum.
Como você vê a produção audiovisual de Minas e em especial de Belo Horizonte?
Gosto bastante. Sou amigo da grande maioria dos diretores e diretoras e acompanho o trabalho. Tem o Affonso (Uchôa, diretor de “Arábia”), a Juliana (Antunes, diretora de “Baronesa”), tem o Ewerton (Belico) e o Samuel (Marotta), que fizeram o “Baixo Centro” e ganharam Tiradentes. Eu avalio como um cinema muito potente e diverso também, com coisas em comum em determinados tipos de filme, mas bem diverso. É um cinema que me interessa muito em acompanhar e saber os próximos passos dos diretores. Eu e a Filmes de Plásticos temos muitos outros projetos também.
Sobre o tom político que permeou o Festival de Brasília, como você vê as reverberações desse posicionamento no mundo da arte?
O Festival de Brasília sempre foi assim. Nasceu num momento bem sombrio do Brasil e, coincidentemente, estamos vivendo um momento bem sombrio também. Acho muito importante que se mantenha assim e que seja um palco, uma tela que esteja disposta a receber discursos contra toda a questão conservadora. Vejo o festival como uma porta aberta para isso.