Temas atuais e relevantes como geopolítica, economia, gênero e raça ganham destaque na capital mineira com quatro exposições de artistas contemporâneos brasileiros contemplados pela segunda edição do Prêmio Décio Noviello de Fotografia e Artes Visuais, promovido pela Fundação Clóvis Salgado (FCS): “Recostura”, de Chris Tigra, e “Campo de Passagem”, de Matheus Dias – ambas em cartaz na Casa de Fotografia de Minas Gerais (CâmeraSete); e “Quero Dançar sobre as Ruínas dos Reinos da Escuridão”, de Erre Erre, e “Do Que Fomos Feitos e o que Deixamos”, de João Angelini – que, a partir desta terça-feira (25), chegam às galerias Arlinda Corrêa Lima e Genesco Murta, do Palácio das Artes –, respectivamente.
Segundo os idealizadores, a ideia principal do prêmio é abrir portas para novos talentos da arte visual de Minas e do Brasil.
“Nossa intenção é democratizar os espaços expositivos da Fundação Clóvis Salgado e assim fomentar a arte emergente no país”, explica a gerente de artes visuais da FCS, Uiara Azevedo. “A princípio tínhamos o propósito de receber bem mais projetos de artistas mineiros, mas com o tempo, ele foi crescendo em âmbito nacional e hoje é um dos editais mais tradicionais das artes visuais – com a participação de artistas do Brasil inteiro”, complementa.
Arte com um dedo no lado social
Entre fotografias, colagens, gravuras e pinturas, as mostras detalham a visão íntima e pessoal de cada realizador a respeito de questões urgentes em pauta no mundo moderno. É o caso de “Recostura”, da paulista Chris Tigra, que expõe imagens de mulheres negras escravizadas para ampliar a discussão da escravidão no Brasil.
“Usei imagens que encontrei no Arquivo e na Biblioteca Nacional, todas feitas por fotógrafos do período colonial para mostrar a mulher negra sob o ponto de vista antropológico”, explica Chris, que apresenta fotos costuradas manualmente com cordas e ataduras para representar o jugo da servidão.
“Com a costura à mão perfurando as fotos, eu busco dar vazão ao desejo de bordar com ataduras – objeto para tratar feridas –, para aludir ao processo da cura. Assim, sugiro uma forma de resolver os traumas do passado que ressoam em nós até hoje”, avalia ela.
O cearense Matheus Dias é outro artista que também alude aos efeitos curativos da arte. Ele conta que se apoiou em situações de crise pessoal para produzir “Campo de Passagem”, recorte que nasceu de uma depressão profunda.
“No final de 2019, eu passei por um período depressivo bem forte que me levou a viver situações intensas, como a sensação de apagamento da minha identidade e uma série de traumas, assédios e preconceitos de toda ordem”, relembra Matheus.
Reunindo imagens fotográficas recortadas, coladas e sobrepostas, as obras propõem uma nova realidade possível.
“Essas fotografias são minha estratégia de sobrevivência. Elas refletem um processo intenso de autoafirmação da vida e demonstram como a arte pode ser vital para se debater questões sobre memória, cura, abusos e saúde mental”, ressalta.
Já o artista João Angelini, de Planaltina (GO), diz que se inspirou na luta diária dos trabalhadores para produzir “Do Que Fomos Feitos e o que Deixamos”, que estreia nesta terça-feira (25), na Genesco Murta, do Palácio das Artes.
Utilizando-se de elementos das pinturas a seco, gravuras e hologramas mambembes, ele aborda discussões sobre a ocupação territorial, geopolítica e economia, e explora processos manuais e laborais da criação artística.
“São várias as linhas que podemos considerar para entender essa aproximação. Desde os processos laborais e manuais até discussões mais definidas de ocupação territorial para a formatação da nossa geopolítica e economia”, define Angelini, que expõe pela primeira vez seu trabalho fora do eixo Centro-Oeste.
“Estou construindo agora minha história em Belo Horizonte, lugar que curto muito e que há alguns anos virou um dos alvos para escoar minha produção”, festeja.
Poesia visual
O santista radicado em Minas Gerais Erre Erre é o dono da exposição “Quero Dançar sobre as Ruínas dos Reinos da Escuridão”, que estreia nesta terça (25), na sala Arlinda Corrêa Lima.
A partir de desenhos, pinturas, monotipia, colagem, animação e som, o artista une diversos fragmentos artísticos de sua carreira para criar narrativas que reformulam e imaginam o tempo através do lírico.
“Optar por cultivar uma prática poética enquanto um caminho de vida não é suave, é um insistir em achar passo sobre um fio que se estende num buraco, num breu”, revela. “Tento colocar nesse combate minha própria história, vida e corpo para transcender os muros, grades, vedações, violações, ruídos, berros. A arte vai vencer no final”, arremata.
Serviço
2º Prêmio Décio Noviello de Artes Visuais
O quê: Exposições “Recostura”, de Chris Tigra, e “Campo de Passagem”, de Matheus Dias
Onde: Na CâmeraSete (av. Afonso Pena, 737, centro)
Quando: Em cartaz até o dia 11 de março
Quanto: Gratuito
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O quê. Exposições “Do que Fomos Feitos e o que Deixamos”, de João Angelini, e “Quero Dançar sobre as Ruínas dos Reinos da Escuridão”, de Erre Erre.
Onde: Nas galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, centro)
Quando: De terça-feira (25) até 12 de março
Quanto: Gratuito