Artes cênicas

As transmutações da dor

O espetáculo “Neblina, com direção de Yara de Novaes, tem estreia nacional nesta sexta, em BH, e lança olhar para o tempo

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 09 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Os personagens Sofia e Diego têm suas vidas marcadas por um encontro e um desafio em comum: superar um trauma latente. Mas quem são esses nomes vividos, respectivamente, pelos atores Fafá Rennó e Leonardo Fernandes no novo espetáculo “Neblina”, cuja direção é assinada pela premiada Yara de Novaes? Essa é apenas uma das indagações que poderão emergir durante a fruição da peça, que terá sua estreia nacional neste sexta-feira (10), no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde cumprirá temporada até 17 de fevereiro.

Com texto inédito de Sérgio Roveri, “Neblina” é um daqueles trabalhos que escondem para revelar e estimula a imaginação da plateia, sendo essa convidada a montar uma espécie de quebra-cabeças, o qual, contudo, parece não se entregar ao fechamento completo. “O texto de Roveri tem muitas camadas, e o tempo inteiro nos colocamos nessa batalha da significação”, pontua Yara. 

Convidada pelo ator Leonardo Fernandes para assumir a direção da peça, ela conta que logo se viu interessada em realizar o projeto; primeiro, pela possibilidade de trabalhar com Fernandes – vencedor do prêmio APCA de melhor ator de teatro em 2016 –, quem ela já admirava, e, em segundo lugar, pela pertinência da dramaturgia proposta por Roveri.

Logo que teve os escritos do autor em mãos, Yara buscou outras referências para nutrir os atores, e uma delas foi “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, de Sogyal Rinpoche. Em razão de esse título, assim como “Neblina”, lidarem com questões ligadas ao tempo e à morte, a diretora conduziu os ensaios a partir da leitura de trechos da obra. 

“Começamos a entender que lidar com a morte é um aprendizado – principalmente para nós ocidentais. Nós nos relacionamos com a morte de uma forma mórbida ou assustadora, como se fosse algo que se perdeu. E, quando você compara isso à visão oriental, compreende que a morte é absolutamente igual à vida”, diz Yara. 

Em “Neblina”, portanto, esse tema é central, e a sensação de perda atravessa os personagens, que se situam num processo de reconstrução de memórias. Diante desse gesto, contudo, Fafá Rennó comenta que Sofia e Diego não compartilham os mesmos lugares. 

“Ela, de certa forma, já começou a entender e a transpor algumas coisas, e o jogo no qual eles estão não funciona mais para ela. Sofia prefere olhar para a realidade em vez de fantasiar uma situação que é tão dura quanto a vida em si”, afirma Fafá. 

Indicada por Yara para integrar o elenco, a atriz vinha da experiência de gravação do filme “Turma da Mônica – Laços”, em que interpreta Dona Cebola, e da série “Sala dos Professores”, com estreia prevista para este ano no canal Cine Brasil TV. Fafá conta que, para esses dois trabalhos, ela precisou ganhar alguns quilos, e “Neblina” trouxe desafios também porque exige intenso preparo corporal. Em cena, por exemplo, os atores simulam um acidente de carro lançado-se sobre o chão com rolamentos e contorções. 

“‘Neblina’ foi um desafio global, tanto físico quanto emocional, porque vai também para lugares que eu não frequento tanto. Eu sou muito alegre. Então, todo mundo me associa mais à comédia. E esse espetáculo me ‘emburaca’ em lugares difíceis, mas que são estimulantes”, completa ela.

Para Leonardo, todo o processo também foi permeado de surpresas. O ponto de partida para a criação da montagem, inclusive, foi uma imagem de um acidente de carro descrita por ele a Roveri, responsável pela dramaturgia. 

“A Yara depois acabou colocando a imagem no espetáculo. É uma em que eu estou de cabeça para baixo com as pernas para cima. Quando a mostrei para Roveri, não era nem mesmo uma cena, e o que ele foi me mostrando que tinha escrito aos poucos, a partir daquilo que mostrei, foi ficando muito instigante. Ele me perguntava: ‘O que está acontecendo na peça?’. Eu chutava, ele dizia ‘não’, e, quando eu tomei conhecimento do nível de dor que estava presente ali, chorei e percebi também a nossa responsabilidade ao contarmos aquela história”, diz Fernandes.

Yara, por sua vez, ressalta que “Neblina” sugere um passo para o enfrentamento dessa dor, a partir do reconhecimento de que, se ela não pode ser apagada, há sempre a possibilidade de uma ressignificação. “Há uma transmutação de tudo o que é pedra, do que te pesa, do que te acerta, do que está associado ao tempo, segue passando e não conseguimos reter. Até isso muda”, conclui a diretora.

Agenda
O quê. Estreia de “Neblina” 
Quando. Nesta sexta-feira, às 20h; em cartaz até 17/2; de 6ª a 2ª, às 20h.
Onde. Teatro I do CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)

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