Para tempos de angústia, afeto. Muito afeto. No bojo da proposta de oferecer ao público uma trilogia no formato vídeo que se desenrolasse sobre esse tema, a primeira iniciativa foi norteada pela palavra "Abraço". Dando prosseguimento ao projeto, a Cia de Dança Palácio das Artes disponibilizou, no último dia 27, em suas redes sociais, o segundo trabalho neste formato, no qual o foco centra-se em um sentimento que vem sendo comungado mundo afora neste período de quarentena: a "Saudade". "Partimos do abraço porque a impossibilidade de contato físico foi o que mais impactou as pessoas no início (da pandemia). Agora, com mais de 70 dias (de quarentena), a saudade aperta, mas não só a de abraçar, de outras coisas também", explica Cristiano Reis, diretor da companhia.
Definido o tema, os bailarinos foram convidados a gravar um vídeo, cada um de sua casa. Mas traduzir o tema "saudade" em movimentos foi um processo que exigiu muita reflexão e discussão. "A saudade é um estado, não um movimento. Então, a primeira coisa que pensamos foi como deixar essa saudade se manifestar no estado corporal", lembra Cristiano Reis. A bailarina Maíra Campos completa: "Foi um superdesafio, porque parte-se de um sentimento abstrato. A gente consegue até falar sobre ele de uma forma mais superficial, mas explicar exatamente, leva um tempo de maturação - e a mesma coisa passar isso para o movimento", prossegue ela, ressalvando que o fato de a Cia de Dança Palácio das Artes já ter uma vivência extensa de transformar sentimentos e sensações em movimento e dança facilitou o processo.
E já que não haveria encontro físico possível, para dar uma unidade ao processo, algumas medidas foram pensadas. "Estipulamos, por exemplo, algumas cores que poderiam ser usadas para a gravação do vídeo e um objeto comum, que ficou sendo uma cadeira (ou algo de se sentar)", lembra Cristiano. Outra diretriz foi que a edição tentasse atingir um resultado que impactasse uma pessoa comum que visualizasse o vídeo. Ou seja, não precisaria ser necessariamente um bailarino para se conectar à mensagem.
A bailarina Maíra fala de seu próprio processo na gravação do vídeo. "Tentei pensar, sentir e entender como o meu corpo reage a essa sensação de saudade, e ao mesmo tempo raciocinar sobre como poderia de alguma forma representar essa sensação. Tirei os objetos da sala da minha casa, porque entendo que a saudade fala muito da falta, e o ambiente vazio representa isso. E aos poucos fui preenchendo esse lugar com objetos, como se fosse uma metáfora, como se de alguma forma estivesse resgatando esses itens, que poderiam ser sentimentos, sensações materializados em objetos muito banais".
Ela também fala do material resultante: 'As pessoas falaram da saudade de formas muito diferentes. Mesmo a gente sendo da mesma companhia, tendo essa unidade, percebe que cada um fala de uma forma muito própria - e muito bonita. A maioria gravou de casa ou de um lugar muito próximo a ela, e isso é muito lindo, pois convida o público a entrar na intimidade de cada um. Estão falando de um lugar que já está carregado de sensações e intimidades", compreende.
Cristiano completa: "Quando o bailarino é desafiado a dar movimento a esse estado (de saudade), cada um pode chegar a movimentos muitos próprios, específicos, mas também percebemos que houve muitos comuns. Sem eles (dançarinos) terem uma partitura igual, cada um se movendo livremente".
No processo de edição, foi importante entender onde estavam as conexões e semelhanças, e também as diferenças, e saber jogar com isso, criando pequenas narrativas. A trilha também teve um papel importante nesta história, e a incumbência foi dada a Dan Maia. "Mas a gente teve ainda a ideia de que os bailarinos fizessem uma pergunta a seus amigos e parentes, para ser respondida por áudio de whatsapp. A pergunta era: 'Do que ou de quem essas pessoas estavam com saudades'. E esses áudios também entraram na trilha. Assim, tem vozes de mãe, sobrinhos, parentes e amigos de cada bailarino", diz Cristiano.
Ele confessa não saber qual será o tema que vai encerrar com chave de ouro a trilogia. "Vamos começar a discutir na semana que vem. Mas quem sabe não vamos falar de sair do ninho e voltar ao mundo. Será? Como a ideia é falar do momento, vamos ter que ir a cada dia decidindo, mas espero que seja de fato algo relativo a um retorno ao mundo, às atividades normais. Não sei, o futuro ao universo pertence", conclui Reis.
Em tempo: a "Trilogia dos Afetos" integra o projeto Palácio em sua Companhia, da Fundação Clóvis Salgado.
Confira o novo vídeo aqui:
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